entre quarta e domingo

Festa Literária Internacional das UPPs discute inclusão e negritude

Abertura, nesta quarta (20), tem Jards Macalé, Antonio Cícero, Omar Salomão, Jorge Mautner e homenagem aos 20 anos do AfroReggae

Luiz Roberto Lima/Divulgação

Ariano Suassuna abriu a edição do ano passado

A Festa Literária Internacional das UPPs começa amanhã (20), exatamente cinco anos depois da criação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora, na Favela Santa Marta, no Rio de Janeiro. A segunda edição da Flupp será realizada na comunidade de Vigário Geral entre esta quarta e domingo (24) tendo como temas inclusão, exclusão e negritude.

Segundo Julio Ludemir, escritor e um dos idealizadores e produtores do evento, um dos objetivos da Flupp é combater o racismo. “Na verdade, a questão central do Brasil e, fundamentalmente das comunidades populares, passa pela questão negra. Você tem claramente ‘o lugar para o negro dentro da sociedade’. Quanto mais trabalharmos essa questão, mais combatemos o racismo não declarado do brasileiro. E a gente está falando do livro, que é o instrumento, por excelência, das elites brasileiras.”

Uma das presenças confirmadas no evento é Regina Dalcastagnè, professora da Universidade de Brasília (UNB) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em seu livro Literatura Brasileira Contemporânea: Um Território Contestado, ela faz um levantamento que mostra que a literatura brasileira ainda é restrita em termos de etnia, gênero, localização e perfil de narrador. “Até existe diversidade e sincretismo no Brasil, mas ela não acontece no universo do livro, que é restrito ao branco tanto do ponto de vista de quem a narra quanto do ponto de vista do que é narrado”, analisa Ludemir.

As atividades serão realizadas no Centro Cultural Waly Salomão, na sede do AfroReggae (Rua Santo Antônio, 11, Vigário Geral, Rio de Janeiro). A entrada é gratuita com lotação máxima de 300 pessoas. A programação completa e a ficha de inscrição para participar das atividades estão disponíveis em www.flupp.net.br

A mesa de abertura, às 15h30 desta quarta-feira, deve reunir Jards Macalé, Antonio Cícero e Omar Salomão. Em seguida, haverá homenagem aos 20 anos do AfroReggae, e às 17h45, é a vez de Jorge Mautner. Na quinta-feira haverá debates entre os autores Regina Dalcastagnè, João Máximo, Muniz Sodré, Jean Yves Loude e Roberta Estrela.

Na sexta-feira participam das mesas de debate os produtores culturais e ativistas Pablo Capilé e Junior Perim; David Linger e Luiz Camillo Osório; Dea Loher e Jasmim Ramadan (Alemanha); e o romancista e dramaturgo nigeriano Bivi Bandele com o poeta, músico e artista visual Ricardo Aleixo.

No sábado, a dupla afegã de rappers Paradise & Diverse divide a mesa com o poeta afegão Suhrab Sirat; o cineasta iraquiano debate com o poeta e cientista político palestino Tamim Al Bargouth; o físico e escritor espanhol participa da mesma mesa que o escritor brasileiro Reinaldo Moraes, e Ana Maria Gonçalves e Bernardine Evaristo encerram a noite.

No último dia de Flupp participam dos debates o escritor Zuenir Ventura, José Junior, do AfroReggae, a escritora francesa Julie Maroh (de Azul, A Cor Mais Quente) e Nélida Piñon. Nos quatro dias de evento, haverá saraus depois dos debates. Estão também programadas várias atividades voltadas para crianças no Flupp Parque: leituras livres, bate-papos, oficinas e contação de histórias. Já Radiância Óvni reúne autores para discutir suas obras com crianças e jovens de 12 a 18 anos. Um deles é Ferrez, que conversa sobre seu livro Amanhecer Esmeralda, seguido da exibição do curta-metragem Imagine Uma Menina com Cabelos de Brasil.

Inclusão social e cultural

Os preparativos da festa começaram em maio com a realização da Flupp Pensa, um processo de formação de leitores e autores da periferia do Rio de Janeiro que deve resultar na publicação de três livros. Desde então, a cada sábado são realizadas oficinas em diferentes comunidades cariocas pacificadas pela polícia. Apesar de o nome levar a sigla do programa criado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, as atividades são iniciativas da sociedade civil.

“Quando se pensa em um evento literário na periferia, você sempre produz um estranhamento. ‘Como assim uma festa literária dentro de uma favela?’. A gente aposta nesta ideia de democracia ao escolher tanto o lugar que isso vai acontecer quanto o próprio público. Mas também aposta em trazer um público de fora porque não é um evento dentro da favela para a favela. É um evento que aposta o tempo inteiro na circulação e no pertencimento da cidade a todos: Vigário Geral pertence a quem mora em Ipanema e Ipanema pertence a quem mora em Vigário Geral”, afirma Ludemir, que organizou a festa ao lado de Écio Salles.

A Flupp será realizada em uma comunidade que não está oficialmente pacificada. “A gente não quer reduzir a discussão da pacificação às ações da polícia, não quer e não pode querer que o processo de pacificação exclua a sociedade civil porque eu tenho muito mais interesse na pacificação do que a polícia. A gente está desde maio indo todo final de semana a uma favela pacificada do Rio de Janeiro, mas vamos terminar o projeto em Vigário Geral, cuja pacificação não está se dando por meio da ação da polícia mas, sim, de outros atores. Para a pacificação acontecer, você precisa da cultura, educação, da saúde e assim por diante.”

No ano passado, o evento, que homenageava o escritor Lima Barreto, reuniu 10 mil pessoas. Esta edição celebra a obra do poeta Waly Salomão. Mais do que um festival literário, a Flupp pretende fazer parte de uma agenda cultural que inclua a periferia do Rio de Janeiro. “Mas que traga o centro para a periferia e a periferia para o centro”, completa Julio Ludemir.