Estreia

Documentário retrata coragem, carisma e fraquezas de Henry Sobel

'A História do Homem Henry Sobel' conta desde a chegada do rabino ao Brasil, sua importante atuação no enterro de Herzog, o fatídico roubo das gravatas e termina no ostracismo a que ele foi relegado

Rabino enfrentou publicamente a farsa do regime militar no enterro de Vladimir Herzog, morto no DOI-Codi

Com um forte sotaque americano e seu tradicional quipá vinho, o rabino Henry Sobel conta sua trajetória desde que chegou ao Brasil, em 1970, aos 26 anos, até os dias de hoje no documentário A História do Homem Henry Sobel, que estreia nesta quinta-feira (11) nos cinemas.

O primeiro longa-metragem André Bushatsky vai além do mito e traz depoimentos de familiares, amigos e críticos do líder religioso. Foram entrevistados o filho de Vladimir Herzog, Ivo Herzog, os jornalistas Juca Kfouri, Heródoto Barbeiro e Audálio Dantas, o rabino Michel Schlesinger, o presidente do Congresso Judaico Latino-Americano, Jack Terpins, e o apresentador Luciano Huck – cuja participação destoa da dos outros entrevistados.

O filme vai além da biografia do rabino: mais que suas passagens memoráveis em que fica evidente sua liderança carismática, são mostradas também as fraquezas e a vaidade de Sobel.

Um dos pontos fortes está no relato sobre sua importante atuação no enterro do jornalista Vladimir Herzog, torturado até a morte nas instalações do DOI-Codi, em 1975. Na época, os militares alegaram que o jornalista havia se suicidado e, portanto, deveria ser enterrado em ala segregada do cemitério, como prega a tradição judaica.

“Alegaram que ele se matou com o cinto ao redor da garganta. A gente não acreditava naquela versão, sabendo o quanto outros sofreram nas mãos dos militares”, afirma Sobel no filme. E lembra: “De acordo com a tradição judaica, sempre existe uma lavagem (do corpo) antes do enterro propriamente dito. Foram verificadas marcas de tortura. E eram marcas violentas!” O rabino se negou a enterrar Vlado na ala de suicidas do cemitério israelita do Butantã, enfrentando publicamente a farsa do regime militar.

“Quando a gente pensa que o rabino Sobel tinha recém-chegado ao Brasil, estrangeiro, vindo dos Estados Unidos, judeu, e que teve a coragem de mandar enterrar o jornalista Vladimir Herzog dentro do cemitério, e não fora, como se faz com os suicidas – que era a versão da ditadura –, a gente tem de tirar o chapéu para ele”, declara Juca Kfouri.

Poucos dias depois do enterro, Sobel e Dom Evaristo Arns começaram a organizar um culto ecumênico em homenagem a Herzog. “Um culto ecumênico foi uma invenção nossa de incluir todo mundo em uma causa: condenar a violação dos direitos humanos”, pontua o rabino. Para Ivo Herzog, a redemocratização do Brasil começou a acontecer naquele momento. “O início do processo de redemocratização do Brasil, muita gente diz que foi com a morte do meu pai. Eu acho que aconteceu sete dias depois, na missa de sétimo dia, na Praça da Sé, em um movimento de muita coragem dessas três figuras – Dom Paulo, Henry Sobel e James Whrigt – fazendo uma cerimônia ecumênica, com milhares de pessoas presentes, apesar de a cidade ter sido fechada pelo Erasmo Dias, na época o secretário de Segurança do Estado”, opina.

Outra questão com peso importante no documentário é o episódio em que Sobel teria roubado gravatas em uma loja em Palm Beach, na Flórida (EUA). Ele fala abertamente sobre o caso e sobre seu arrependimento. Na época, afirmou-se que ele estava com depressão e sob efeito de medicamentos. O fato mudou radicalmente sua vida. Até então muito respeitado dentro e fora da comunidade judaica pelo seu carisma e ativismo inter-religioso, ele acabou sendo licenciado da Congregação Israelita Paulista (CIP) e caiu em ostracismo.

Independentemente de estar ou não sob efeito de medicamentos, o que o filme questiona é se um fato isolado deve arruinar uma carreira e a vida de uma pessoa reconhecidamente importante na defesa dos direitos humanos, para a redemocratização do país e para o diálogo inter-religioso. Afinal de contas, errar não seria algo que é parte inevitável da condição humana?

A História do Homem Henry Sobel
Direção e roteiro: André Bushatsky
Direção de fotografia: Emerson Pimenta Alan Fabio Gomes
Produção executiva: André Bushatsky e Nelson Bushatsky
Montagem: Regina Stulman Dias
País: Brasil
Ano: 2014
Duração: 90 min.
Classificação: livre
Distribuição: Espaço Filmes