Imortal

Baluarte do samba, mangueirense e vascaíno, Nelson Sargento era voz de todos os morros

Compositor, pesquisador e escritor, ele morreu aos 96 anos, em consequência da covid

Montagem RBA
Montagem RBA
Nelson Sargento e sua Mangueira (e com o amigo portelense Monarco): cidadão do samba e do carnaval carioca

São Paulo – “Todos nós estamos um pouquinho tristes por não ter desfile, mas foi melhor assim. Temos que estar todos vacinados para fazermos um grande carnaval em 2022”, disse Nelson Sargento em fevereiro, no Museu do Samba, em cerimônia de “abertura” simbólica do carnaval do Rio de Janeiro. Nelson Mattos não estará no próximo desfile. A dois meses de completar 97 anos, o presidente de honra da Mangueira, compositor, pesquisador, artista plástico e escritor morreu nesta quinta-feira (27) devido a complicações da covid-19. Ele havia sido diagnosticado na semana passada.

Nelson virou Sargento depois de passagem pelo Exército. Nasceu na Praça XV, centro do Rio, filho de um cozinheiro, com quem pouco conviveu, e de uma trabalhadora doméstica. Dona Rosa Maria, sua mãe, foi morar no Morro de Salgueiro, e ali o menino Nelson, que entregava roupas lavadas no bairro da Tijuca, conheceu o mundo do samba. Mas foi em outro morro, o de Mangueira, também na zona norte, que ele se tornaria um dos grandes compositores da escola verde-rosa.

Nelson Sargento agoniza mas não morre

Demorou um pouco: em 1955, por exemplo, ele compôs o samba-enredo Primavera (Cântico à Natureza), em parceria com o mangueirense Alfredo Português, que havia levado mãe e filho para lá. Anos mais tarde, já durante os anos 1960, Nelson entrou para o conjunto A Voz do Morro, formado por Zé Kéti, com gente como Paulinho da Viola e Elton Medeiros, entre outros. Com essa turma, integrou o espetáculo Rosa de Ouro, gravado em 1965.

Certamente, sua música mais conhecida e cantada é Agoniza mas não morre, homenagem do compositor ao samba, ao mesmo tempo uma crítica a quem mexia na estrutura da canção e tentava impor culturas estranhas ao gênero. Outra sempre lembrada é Falso amor sincero. Sua obra tem também crítica social, caso de Samba do operário, outra parceria com Alfredo Português, nascida em um 1º de Maio. A lista de parceiros inclui Cartola, Carlos Cachaça e vários outros.

Em janeiro e fevereiro, compositor tomou as duas doses da vacina

“E lá vem a foice dessa horrorosa pandemia ceifar mais uma vida brilhante”, lamentou a cantora Elza Soares. “Nossa lenda do samba, meu amigo Nelson Sargento. Vou lembrar de você assim, com esse olhar sempre doce. Faça festa no céu, my love.” Em janeiro e fevereiro, Nelson tomou as duas doses da vacina.

Negro, forte, destemido

“Obrigado, Nelson Sargento, negro, forte, destemido, pela sua contribuição à nossa arte”, afirmou o cantor e compositor Gilberto Gil. Para Marcelo D2, o Nelson foi “mestre no sentido literal da palavra e arquiteto da música brasileira”. “Descanse em paz mestre, a gente só morre quando nosso samba morrer e vc vai ficar pra sempre”, escreveu em rede social.

A Mangueira e o Vasco da Gama, paixões do sambista, lamentaram a morte de Nelson Sargento. Portela e Salgueiro também homenagearam o compositor, assim como o Flamengo e o Corinthians. “Um ‘Sargento’ do povo, muito maior que certos capitães e generais que andam desafinando, mentindo e matando por aí”, disse o vereador e pesquisador Chico Alencar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, também divulgaram mensagens em memória do artista.

“O Nelson guardava no corpo e no gesto toda a tradição de uma linhagem de sambistas que podemos traduzir como o tal ‘do samba em pessoa'”, disse o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira. “Ele trazia pra gente de modo vivo a presença do Cartola, do Nelson Cavaquinho, da Clementina e de tantos outros bambas imortais”, destacou. Para a cantora Alcione, ele era “um desses galhos fortes do nosso jequitibá do samba, que é a Mangueira”.

Nelson é um dos autores do livro Um Certo Geraldo Pereira (1983). Em 2012, ele lançou Prisioneiro do Mundo, livro de poesias. Também pintava quadros – antes, pintava paredes para se manter. Além disso, foi tema de documentário.