Arnaldo Baptista, mutante e sobrevivente, mantém o tom e a irreverência

Nenhuma mistura soa estranha à combinação de piano e voz do ex-mutante (Foto: Sérgio Carvalho/Folhapress) São Paulo – Em uma sequência, Arnaldo Dias Baptista mistura o clássico bolero Perfídia, a […]

Nenhuma mistura soa estranha à combinação de piano e voz do ex-mutante (Foto: Sérgio Carvalho/Folhapress)

São Paulo – Em uma sequência, Arnaldo Dias Baptista mistura o clássico bolero Perfídia, a trilha sonora de abertura dos filmes da pantera cor de rosa (de Peter Sellers, como o inspetor Closeau) e perólas do cancioneiro nacional como Lampião de Gás, famosa na voz de Inezita Barroso, e da canção mundial, como Yesterday, dos Beatles. Nada é estranho. Tudo combina com o que sai do piano e da voz do ex e eterno mutante, que no mês que vem completará 64 anos.

Ontem me disseram que um dia eu vou morrer
Mas até lá eu não vou me esconder
Porque eu não estou nem aí pra morte
Não estou nem aí pra sorte
Eu quero mais é decolar toda manhã

De camisa dourada, Arnaldo entra no palco do Sesc Vila Mariana, em São Paulo, rindo e andando como se fosse robô. No final, pouco mais de uma hora depois, sairá correndo com passadas curtas. Concederá apenas um bis: Blowin’ in the Wind, de Bob Dylan. Não voltará mesmo com cinco minutos ininterruptos de palmas, assovios e gritos. Durante a apresentação do show  “Sarau o Benedito?”, sentado ao piano (influência da mãe, Clarisse), distribuirá sorrisos, “obrigados” e dará pequenas batidas na cabeça com as mãos, que às vezes serão agitadas como se ele fosse voar.

Se eles têm três carros, eu posso voar
Se eles rezam muito, eu já estou no céu

Baixista, pianista, compositor, com pai poeta e mãe música, Arnaldo Baptista formou com o irmão Sérgio Dias e a cantora Rita Lee uma das bandas mais influentes da música brasileira: Os Mutantes, que manteve a formação original de 1967 a 1973 e posteriormente teve outras formações, com direito a um breve reencontro entre Arnaldo e Sérgio entre 2006 e 2007.

No ano seguinte ao de sua saída d´Os Mutantes, Arnaldo lançou “Lóki?”, certamente seu disco mais conhecido. Ele abriu a apresentação de ontem (7) justamente com a música-tema. A segunda é Não estou nem aí, cujos versos estão no início deste texto.

Cê tá pensando que eu sou lóki, bicho?
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso

Arnaldo define o show como um “solo voador”. Mistura clássicos d´Os Mutantes com músicas de sua carreira solo e pitadas de outros autores. De repente, pode passar para Hit the Road Jack, de Ray Charles, ou cantarolar trechos de Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock and roll – dele, Rita e Liminha.

Entre 1977 e 1978, vieram os discos “Elo Perdido” e “Faremos uma Noitada Excelente”, com o grupo Patrulha do Espaço. Quase dez anos depois, em 1987, lançou o álbum “Disco Voador”. Arnaldo passara cinco anos se recuperando de uma tentativa de suicídio, em 1982, ao se jogar de uma janela do quarto andar do hospital onde estava internado, deprimido e enfrentando problemas com drogas.

No documentário “Loki” (2008), de Paulo Henrique Fontenelle, ele conta: “Já tinha feito tanta coisa! Tocado em tantos lugares! Me senti ali perdido, internado em um hospital, imaginando: ‘talvez ainda fique aqui dez anos!’ Então, plenamente consciente e cansado de falar com os médicos, pensei: ‘Estou cansado disso! Vou me ver livre!’.. E me joguei da janela, sabendo que estava jogando o jogo mais alto que existe, que é a vida… E pareceu um milagre, porque acordei na cama da minha menina”, referindo-se a Lucinha Barbosa, com quem vive. O acidente deixou sequelas, como na fala, mas não o suficente para que ele abandonasse a música – que passou a ser acompanhada da pintura. Durante o show, um telão no fundo do palco mostra trabalhos de Arnaldo Baptista como artista plástico.

Em 2004, Arnaldo lançou “Let it Bed”, produzido por John Ulhoa, do grupo mineiro Pato Fu. Prepara o álbum “Esphera”. Mutante e sobrevivente, ele continua singin’ alone (cantando sozinho, em inglês), mas trocou a dor pela paz, preservando a irreverência.

Leia também

Últimas notícias