gestão de mobilidade

Tatto defende empresa pública de ônibus para quebrar concentração no transporte

Em entrevista à RBA, secretário de Transportes recua em acusação sobre cartel no setor, admite dificuldade em promover mudanças e defende nova CMTC como fundamental para concorrência

© viatrolebus

Número de veículos na capital tende a aumentar e pressiona por organização rápida do transporte coletivo

São Paulo – O secretário municipal dos Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto, está mais cuidadoso ao tocar no vespeiro das empresas que prestam serviços na capital. O calor das manifestações de junho se foi, e com ele o ímpeto que levou Tatto a afirmar que havia um cartel operando nas corporações que todos os dias transportam milhões de passageiros pela cidade. “Hoje eu não saberia dizer se é possível mudar isso”, afirma, reticente, em entrevista à RBA e à Rádio Brasil Atual.

Na sede da Secretaria de Transportes, no centro de São Paulo, o petista advoga o ressurgimento da CMTC como medida para garantir concorrência no setor e deixar a administração municipal menos dependente de valores e qualidade de serviço oferecidas pelo grupo concentrado de empresas.

Entre os problemas, Tatto colocou também o que classifica uma lentidão do governo estadual na construção do metrô, que tem apenas 78 quilômetros, sobrecarregando o sistema de transportes sobre rodas. “A tendência é o trânsito de São Paulo ficar cada vez pior, mas o que não pode piorar é o transporte coletivo”, disse.

Para o secretário, a prefeitura fez uma clara opção, principalmente após as manifestações de junho: privilegiar o transporte coletivo. “Não se trata de uma guerra contra o carro. Nossa guerra é melhorar o transporte público. E não tem como aumentar a malha viária da cidade, não tem espaço.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Que avaliação o senhor faz da instalação das faixas de ônibus? O senhor teme de alguma forma a repercussão negativa?

Primeiro, as principais reclamações do usuário de transporte público na cidade de São Paulo têm a ver com a velocidade. É o tempo que ele espera o ônibus no ponto, também a superlotação, e o tempo em que ele fica dentro do ônibus. Em função disso, o que nós fizemos? Fizemos um programa arrojado para aumentar a velocidade dos ônibus, porque isso aumenta o conforto do usuário.

Ele chega mais cedo no trabalho, pode sair mais tarde de casa, pode dormir um pouco mais e pode chegar mais cedo em casa e passar mais tempo com sua família. Em função disso nós já fizemos em torno de 200 quilômetros de faixas exclusivas. E em algumas destas faixas, a velocidade média aumentou em quase 100% – era de 11 km/h e está chegando a 21 km/h. Tem outros corredores com ganho menor, de cerca de 30%. Esse programa não terminou, estamos dando continuidade.

Paralelamente a isso estamos fazendo uma licitação de corredores de ônibus do lado esquerdo da rua, porque em tese o corredor do lado esquerdo interfere menos no trânsito em geral, diferentemente da faixa exclusiva. Às vezes o carro precisa cruzar a faixa exclusiva para virar à direita, reduzir a velocidade, desembarcar ou embarcar uma pessoa. No corredor da esquerda não tem isso.

A ideia é termos 150 quilômetros de corredores até 2016 e o programa está em fase licitatória. A presidenta Dilma já liberou recursos para 99 quilômetros destes corredores, num total de R$ 3 bilhões (de programas federais de mobilidade urbana).

Também estamos em meio a um processo de recuperação dos semáforos na cidade de São Paulo. Já recuperamos mais de 500 e até o final do ano nosso cronograma é recuperar cerca de 2.000 semáforos, de um total de 4.800 instalados na cidade. São Paulo ficou muito tempo sem investimento em transporte público e mobilidade, por isso estamos acelerando.

E agora temos a terceira fase, que é reorganizar o sistema de transporte, reorganizar as linhas, mexer na “troncalização”, tirar a sobreposição, então é um trabalho bastante intenso. Imagine o benefício disso para os 6,5 milhões de pessoas que usam transporte público diariamente em São Paulo.

Mas e quanto às repercussões das reclamações dos motoristas? O senhor já estudava a proposta de faixa segregada também para os taxistas?

Recentemente saiu uma entrevista do ex-prefeito de Bogotá (capital da Colômbia), que fez uma revolução no transporte de lá. Ele elogia o que estamos fazendo aqui em São Paulo e também fala que, do ponto de vista conceitual, estamos corretos: você tem de priorizar o transporte coletivo em detrimento do individual para democratizar o sistema viário, que o sistema viário não é democratizado. E a tendência do congestionamento na cidade de São Paulo é aumentar cada vez mais.

Então, o que você precisa é priorizar o transporte público. E aí você tem de organizar. Você deixar o ônibus do lado direito, no lugar dele, e deixar o carro do lado esquerdo, no lugar dele, acaba organizando isso e aumenta a fluidez. Nós temos casos em avenidas em que aumentou a velocidade também para o usuário do carro.

Não estamos fazendo uma guerra contra o carro, não se trata disso. A guerra é melhorar a qualidade dos serviços de transporte público para que possa haver essa migração. Porque como aumenta a compra de carro, aumenta a quantidade de carro todo dia na cidade, não tem solução. A tendência é piorar cada vez mais para o carro.

Mas o que não pode é piorar para o transporte público. Então não tem saída, a malha viária você não consegue alargar, não tem mais espaço. Para democratizar o viário, para se ter mobilidade, para pensar na questão em termos de saúde pública, você tem de fazer as faixas de corredores e metrô.

O grande gargalo da cidade de São Paulo é a falta de metrô. A cidade tem 78 quilômetros de metrô – e isso é um absurdo. O transporte sobre pneus aqui é o maior do mundo. O governo do estado é muito lento na construção de metrô e acaba sobrecarregando o ônibus. E nós precisamos garantir o transporte por meio dos ônibus.

E em relação aos taxistas?

Nas faixas exclusivas que nós estamos implantando, nós não autorizamos a utilização por táxis. Por quê? Teve um estudo lá atrás, da própria SPTrans, de 2011, que dizia que os taxistas em corredores diminuíam a velocidade do ônibus. Do jeito que está, fica, mas nos próximos a gente não vai permitir, até porque estamos numa fase de implantação ainda, até para fazer uma avaliação melhor.

O que teve de novo nessa questão é que o Ministério Público nos intimou a apresentar um estudo, num prazo de 15 dias (que começou na segunda-feira 30), de avaliação sobre do quanto os taxistas e outros veículos complementares atrapalham a velocidade dos ônibus nos corredores.

Então eu constituí uma comissão para que fossem a campo e fizessem um levantamento para verificar se táxis e outras interferências estão atrapalhando a velocidade, e a partir daí vamos apresentar este estudo.

Que planos a prefeitura tem para beneficiar os ciclistas? Eles têm conversado com a secretaria, eles têm demandas?

Todos os nossos projetos de corredores à esquerda da via preveem a construção de fazer ciclovias. Portanto, é um modal que está sendo levado em consideração. Não está escrito em lugar nenhum que a rua é do carro, ela também é do ciclista. Tem lugar que não dá, é como a calçada. A calçada é do pedestre, como a faixa exclusiva é do ônibus, o trilho do metrô é do trem. Acho que a gente tem que começar a pensar esse conceito e o mundo está mudando, e a cidade de São Paulo está mudando. E a tendência é ter cada vez mais bicicletas, tem de haver um compartilhamento, é disso que se trata.

Na segunda-feira à noite, a prefeitura entregou o Orçamento 2014, que aponta que a tarifa de ônibus vai permanecer a R$ 3, com subsídio de R$ 1,65 bilhões. Como a prefeitura chegou a estes números e qual vai ser o impacto?

O impacto é grande, com certeza. E o fato de não aumentar a tarifa, evidentemente que a conta tem de sair de algum lugar. E de onde está saindo neste momento? Do Orçamento Municipal. Tem todo um debate em relação à Cide, em cobrar um percentual da gasolina, que acho importante, mas como isso ainda é um projeto gestado no governo federal, é dinheiro do Tesouro.

Esta meta orçamentária vai exigir de nossa parte uma diminuição de custos. Quando você fala em aumento de velocidade, você acaba diminuindo custos do sistema, isso é importante, mas, sem dúvida nenhuma, isso pesa para a prefeitura, temos consciência disso.

Acho que há a concordância de que o usuário está sendo penalizado no transporte público com a tarifa dos ônibus. O usuário não pode pagar 70% da passagem. Então temos de buscar novas fontes de financiamento. E uma das propostas é a criação da Cide, você cobrar um percentual da gasolina do usuário do carro.

O senhor tem acompanhado a CPI dos Transportes da Câmara Municipal?

Tenho. A gente tem mais prestado informações do que acompanhado, todas as informações que a CPI nos pede, requerimentos, a gente tem encaminhado, já foram inclusive membros da SPtrans prestar depoimentos. A comissão tem seu método de trabalho, sua agenda, seu calendário, e isso tem de ser respeitado, vamos aguardar o resultado do relatório final.

Tem a questão dos aditivos…

Os aditivos foram feitos nas gestões anteriores e são mesmo um elemento de apuração pela CPI. Nós mesmos, a pedido do prefeito, estamos abrindo um processo de contratação de uma auditoria independente, que pode até ser internacional, para fazer o levantamento de todas as contas do sistema.

Eu acho que nosso compromisso é tornar públicas todas as informações que pudermos, o que se arrecada, o quanto se gasta, como se gasta, para depois discutirmos para onde pode ir a gestão do transporte público em São Paulo.

O novo edital de transportes provavelmente deve ser feito no ano que vem, teve a prorrogação dos contratos. Este novo edital deve compreender os apontamentos da CPI?

Eu diria que o debate está aberto. Até o novo modelo, qual é o novo modelo? O novo modelo é de concessão, nós apresentamos inclusive propostas neste sentido. Mas está tudo em aberto, nós vamos fazer um debate sobre o novo modelo de transporte no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito. E com certeza a CPI vai produzir e apresentar sugestão em relação a isso. Acho que o momento é rico de debates.

O Haddad falou inclusive da nova CMTC…

Isso, o pessoal fala da nova CMTC, a prefeitura cuidar de uma área, comprar os ônibus, e passar a ser uma prestadora de serviço e não conceder licenças. Acho que a última palavra é do prefeito, ele foi eleito para isso. Então o que nós estamos fazendo? Estamos apresentando, do ponto de vista técnico, todas as informações, e como vai ficar para ano que vem a nova licitação para o setor. Até lá, vamos ver o que vai ser pactuado com a cidade, acho que isso é importante.

Esta nova CMTC pode servir de parâmetro para o modelo de gestão de transporte público?

Pode, sim. Mas não seria uma o mesmo modelo do que foi a CMTC. O que precisa é ser uma empresa de alta tecnologia, que tenha o controle operacional, controle o sistema por GPS com computador dentro dos ônibus, nos terminais, que use combustível não poluente etc. Uma empresa moderna, uma empresa sem óleo diesel (risos).

No começo do ano, o senhor chegou a usar o termo ‘cartel’ pra definir as empresas de ônibus. O prefeito Haddad falou recentemente em ‘ser refém destas empresas’.

Cartel é uma palavra muito forte, até porque agora tem aí o “cartel da Siemens”, cartel da Alstom (risos)… mas existe simuma concentração de empresas no sistema de transporte e a cidade convive com esse problema há muito. Hoje eu não saberia dizer se é possível mudar isso.

Mas vamos imaginar uma hipótese: se a prefeitura começar a comprar os ônibus, por exemplo. Já enfraquece o esquema. A máquina, o instrumento de trabalho, que é o ônibus, deixa de ser do operador e passa a ser da prefeitura, do poder público. E nós teremos mais parâmetros para avaliar custos, termos um poder de barganha maior. São mecanismos que devem ser analisados. Agora, é verdade, existe uma concentração grande de empresas de ônibus na cidade, que sempre atuaram e continuam atuando.

No passado era mais grave, você tinha empresários que não eram do ramo, não entendiam nada, mas conseguiam um contrato, pegavam o dinheiro e ficava nisso mesmo.Hoje em dia é diferente, só tem empresas que são da área. O que precisa é discutir qualidade, segurança, limpeza, remuneração e o modelo a ser adotado.

Como está a implementação do bilhete único mensal?

Está andando. Nós apresentamos um novo modelo ainda ontem (1º) para a empresa que vai cuidar da impressão dos bilhetes. Já temos cerca de 93 mil adesões e devemos chegar a 100 mil até novembro. A gente pede para as pessoas não deixarem para a última hora, porque isso pode até criar um problema (por excesso de demanda).

Está tudo dentro da programação. Daqui pra novembro deverá estar tudo funcionando, pode atrasar uns dias, mas os prazos estão todos mantidos.