Nova Luz de Kassab requalifica bairro para expulsar moradores, diz urbanista

Especialistas consideram que cidade está sem rumo urbanístico

Para viabilizar Nova Luz, prefeitura pode desapropriar e demolir até 60% da região da Luz (Foto: Maurício Morais/Rede Brasil Atual)

São Paulo – Intervenções urbanas da prefeitura da capital paulista são arbitrárias e podem resultar na expulsão de moradores, segundo especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual. Ao menos dois projetos apresentados pela administração municipal como de “requalificação de bairros” são rejeitados por moradores. O Nova Luz, na região central e histórica da cidade, e a operação urbana Água Espraiada, que pretende intervenções na região do Jabaquara, na zona sul de São Paulo, levaram centenas de pessoas a se manifestarem contra os projetos em audiências públicas no último mês.

Na visão do professor universitário e urbanista Nabil Bonduki, a insegurança de moradores e comerciantes da Luz é resultado da ausência de um amplo processo de discussão com a comunidade sobre a concessão urbanística. “(A concessão da Nova Luz) foi aprovada antes de ter um projeto claro, um objetivo definido”, aponta.

Para Bonduki, ao não ouvir a opinião dos moradores das regiões em que há projetos de requalificação, a prefeitura deixou “a cidade sem rumos do ponto de vista urbanístico”. “Há descontentamento até em bairros de classe média alta. São várias as situações em que se tem essa impressão de que a cidade não está sendo ouvida”, detecta.

A região da Luz, por exemplo, piorou em vez de melhorar, na opinião do especialista. “A Luz está pior do que era antes, demoliram muita coisa, parece uma ruína. E em outras áreas da cidade pouco se fez”, afirma Bonduki.

“A lógica do projeto (Nova Luz) até onde foi desenvolvido é requalificar expulsando moradores para trazer população de maior poder aquisitivo”, pontua o vereador Antonio Donato

O vereador Antonio Donato (PT) classifica de “cheque em branco” a aprovação do Projeto de Lei 14.918/2009, de autoria da prefeitura de São Paulo, que autorizou a requalificação da Luz. “Quando passou na Câmara, não existia projeto para dizer como seria feito”, recorda o vereador. “Era só autorização para construir.”

Expulsão

O objetivo de requalificar espaços urbanos sempre é positivo, mas está sendo desvirtuado em São Paulo, na opinião de Donato, autor do projeto de lei de revitalização de ruas comerciais na cidade. “Não se pode requalificar para expulsar”, ensina. “A lógica do projeto (Nova Luz) até onde foi desenvolvido é requalificar expulsando moradores para trazer população de maior poder aquisitivo.”

O modelo defendido pelo vereador envolve a participação dos comerciantes nas transformações, a exemplo do que ocorreu nas ruas João Cachoeira, no Itaim Bibi, na zona sul, e na José Paulino, no Bom Retiro, região central. Parte dos custos das obras são oferecidos como contrapartida pelos donos de lojas e restaurantes.

“Da maneira que foi pensada, a concessão urbana vai dificultar muito que os atuais usuários da região possam continuar (no local)”, complementa Bonduki. A forma de fazer a requalificação da Luz, por meio de concessão urbanística, também é questionável, aponta. “O instrumento é polêmico e juridicamente não consolidado”, diz. “Há transferência para particulares de determinadas funções que são públicas.”

“Essa administração não sabe como fazer… não tem prática de participação popular”, avalia Nabil Bonduki.

Para Donato, as ações da Prefeitura na Luz têm o objetivo de comprar imóveis baratos e vendê-los a valores mais caros. “No estudo de viabilidade consta que os imóveis serão comprados a menos de R$ 2 mil e vendidos por R$ 11 mil”, informa. Embora evite críticas às concessões urbanísticas, o vereador censurou o modelo empregado em São Paulo. “Nesse caso está sendo utilizado a serviço da especulação”, criticou.

Incapacidade de ouvir

Segundo Bonduki, a prefeitura de São Paulo não entende que um projeto urbanístico precisa contar com participação popular. “Essa administração não sabe como fazer… não tem prática de participação popular.”

A dificuldade de diálogo com a prefeitura é um dos principais alvos de crítica de moradores das regiões que devem passar por requalificação na cidade. Na impossibilidade de participar do destino de sua própria moradia, a população reage contrariamente aos projetos da administração municipal, explica Bonduki. “O que a prefeitura anuncia acaba gerando reações de tal maneira que as obras ficam paralisadas”, aponta o especialista.

Apesar da existência de instrumentos de participação no plano diretor da cidade, o urbanista acredita que eles foram anulados nas regiões em que ocorrem intervenções urbanísticas. Como exemplo, ele cita três instâncias. De um lado, o Conselho Municipal de Política Urbana está “praticamente inoperante”. O Conselho Gestor de cada Operação Urbana não cumpri seu dever de discutir com moradores e comerciantes de forma ampla as mudanças no bairro. O Conselho de Representantes tampouco funciona. “Por falta de ação da prefeitura a população fica totalmente à parte do processo”, pontua o pesquisador.

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