Prevenção a desastres depende de continuidade de políticas, apontam especialistas

Geólogos e urbanistas apontam passos para gerenciar áreas de risco

Vista da área inundada de Jacuípe, em Alagoas. Mapeamento de risco é início do processo para evitar tragédias, dizem geólogos (Foto: Thiago Sampaio/Ag.Alagoas/Reuters)

São Paulo – As chuvas nos estados de Alagoas e Pernambuco são os casos mais recentes de tragédias no país relacionadas a enchentes e desmoronamentos. Mais de duas mil pessoas morreram em deslizamentos em áreas de risco, de 1988 a 2009, aponta estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

Se somadas às ocorrências de 2010, com desastres em Angra dos Reis (RJ), na cidade do Rio (RJ) e São Luiz do Paraitinga (SP), os números ficam ainda maiores e refletem um quadro preocupante sobre o despreparo das cidades no gerenciamento das áreas de risco no Brasil.

Diante do quadro, o governo federal e organizações não governamentais apressam-se em propor aos municípios ações para evitar que desastres geológicos se alastrem pelo país.

Em maio deste ano, a Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE) divulgou uma carta de alerta endereçada a municípios e estados brasileiros. A entidade chama atenção das “autoridades públicas” para a necessidade de ações preventivas urgentes e de planejamento para interromper as novas situações de riscos geotécnicos no país.

O documento aponta um “acúmulo de erros e descasos na gestão do crescimento urbano” das cidades e pede que os municípios apressem-se em providenciar instrumentos para identificar e monitorar áreas de risco. A carta serve de intimação ao lembrar que “a ausência desses instrumentos faz com que hoje grande parte do esforço e dos recursos despendidos concentre-se nas ações imediatas e emergenciais de atendimento pós-desastre,
sobrecarregando órgãos como a defesa civil”. “A prevenção é possível, eficiente e mais barata que a remediação”, defende a ABGE.

O Ministério das Cidades, órgão federal responsável por apoiar ações de prevenção a riscos geológicos, sugere uma série de ações às cidades para uma política de gerenciamento de riscos. Assim como a ABGE, o órgão é severo ao afirmar que a prevenção de riscos deve ser “uma política permanente de estado de gerenciamento de riscos e que não seja interrompida a cada novo governo”. O risco cada vez maior de desastres levou o governo federal a incluir ações para gerenciamento de áreas de risco na segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC2).

Eduardo Soares de Macedo, geólogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), explica que “o gerenciamento das áreas de risco envolve ações que precisam de continuidade e priorização”. E adianta: “É um problema que envolve várias vertentes, por isso quando se pensa em um problema que é muito grande como a questão das áreas de risco, você tem de pensar numa solução que é muito grande”.

Com base em orientações de geólogos e urbanistas e do Ministério das Cidades, a Rede Brasil Atual lista alguns passos de ações essenciais para a gestão de áreas de risco nas cidades.

Etapas para mapear de risco

EtapaDescrição
1. Mapeamento de riscos

• identificação clara dos setores mais perigosos

2. Monitoramento e fiscalização de áreas perigosas

• treinamento e participação da própria população moradora
• sistema de alerta que permita às equipes de defesa civil chegarem ao local antes dos acidentes

3. Plano de emergência

• atuação planejada durante os períodos mais críticos
• informação pública, preparação para remoção de famílias em risco e seu abrigo
• estrutura para resgate de vítimas

4. Intervenções estruturais de segurança

• obras de contenção de encostas e remoção de moradias antes do período chuvoso nos locais identificados como os mais críticos
• Executar obras de prevenção em locais que mais necessitam
 

5. Prevenção e autodefesa

• informação pública
• capacitação e treinamento de técnicos

 

Mapeamento

Passo-a-passo do mapeamento de risco

  1. Definições: em reunião com a prefeitura lista-se as áreas a serem pesquisadas, a partir de ocorrências e de conhecimento anterior sobre o assunto, como mapeamentos elaborados antes. Também incluem-se novas áreas de interesse de pesquisa.
  2. Conhecimento do local: os geólogos visitam área por área para avaliar os riscos. Em algumas ocasiões, pequenos problemas podem ser resolvidos pela prefeitura.
  3. Fotografia: os técnicos realizam um sobrevoo para fotografar as áreas, com boa qualidade e aproximação.
  4. Campo: com as fotos, os técnicos vão a campo para visitar área por área e classificar as áreas em níveis que vão de 1 a 4. O nível 1 é o mais baixo, em termos de riscos.
  5. Relatório: desenha-se em cima das fotos, com sugestão de intervenções e soluções.

Macedo do IPT destaca que só é possível reconhecer o problema por meio de mapeamento das áreas de risco. “Você tem de ir lá, olhar área por área e ver que tipo de problema a área tem e o que dá para fazer com ela, sugere Macedo. “Sem mapeamento não dá para fazer nada”, diz.

O especialista explica que o mapa de risco de uma cidade envolve pelo menos cinco etapas (confira box). O processo envolve avaliar áreas que podem representar riscos, visitar e fotografar os locais, além de desenhar propostas de alterações para prevenir acidentes.

O mapeamento é a primeira parte do processo de prevenção de acidentes, já que, em casos de emergência, o trabalho permanece com os órgãos de Defesa Civil. Uma vez concluído o planejamento, é necessário promover reformas e deslocamentos de populações em áreas perigosas, onde não cabem intervenções.

Defesa Civil

Durante enchentes e deslizamentos, Fernando Kertzman, presidente da ABGE, enfatiza que o trabalho de Defesa Civil é essencial. “Temos de saber o que fazer com a população retirada das áreas de risco, que recursos, locais vou usar. Qual o plano de assistência social e psicológica para os desabrigados”, indica.

O Major Aldo Baptista Neto, secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Defesa Civil e Fiscalização de Blumenau (SC), elenca os ciclos de atividades do órgão. Dois níveis acontecem em momentos diferentes.

Em momentos de normalidade, há ações de prevenção estrutural, quando realizam-se obras e construções, e de preparação – integração da Defesa Civil com outras entidades e órgãos públicos para emergências.

Isso é necessário justamente para os chamados momentos de anormalidades, quando o socorro à população precisa ocorrer rapidamente. A segunda etapa característica destes períodos é a reconstrução, em localidades e de forma mais correta do que antes, do que foi destruído.

A Defesa civil também é responsável pela preparação da comunidade, com cursos, treinamentos para reconhecer riscos, agir de forma preventiva e reativa.

O órgão é essencial ao gerenciamento de áreas de risco, especialmente porque “não há como mexer com todo mundo de imediato”, explica Macedo do IPT. Cabe à Defesa Civil tirar os moradores dos locais de risco, abrigá-los e depois dos momentos críticos devolvê-los às residências. “Defesa Civil funciona assim, você tira os moradores leva para o abrigo. Acabou a chuva você devolve”, contextualiza o geólogo.

O site da Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério das Cidades auxilia as cidades a estruturarem a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) e explica as atribuições do órgão.

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