Para urbanista, política de Kassab é ‘sórdida’ e Maluf ‘é bonzinho’ perto dele
Diretora do Movimento Defenda São Paulo vê cidade 'inviável' por política urbana da prefeitura
Publicado 13/07/2011 - 16h05
Gestão Kassab apoia “especulação imobiliária mais sórdida”, diz urbanista. (Foto: Fábio Capote/Folha Press)
São Paulo – A iniciativa da Prefeitura de São Paulo de colocar à venda 20 terrenos municipais, entre eles o Quarteirão da Cultura no Itaim Bibi, sede de oito equipamentos públicos na zona oeste da cidade, reflete o apoio do gestor público da cidade “à especulação imobiliária mais sórdida”, avalia a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo. A medida foi aprovada na semana passada pela Câmara de Vereadores. “Ao invés de combater, o governo faz a especulação imobiliária. Há cidades do mundo que são boas porque combatem o esgotamento da terra, pela excessiva construção”, ensina.
Lucila analisa que a política de desenvolvimento urbano em andamento em São Paulo torna a cidade inviável, ao autorizar a desobediência da lei de zoneamento. “O resultado é a inviabilidade urbanística na cidade de São Paulo.” Quatro operações urbanas estão em andamento na capital e outras três estão em processo de consulta para contratação de projeto.
Segundo a urbanista, as operações autorizam construções além da capacidade das áreas, por meio da venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac) pela própria Prefeitura. “O que nós estamos vendo é a perda total da perspectiva da coisa pública e do gerenciamento da coisa pública pela administração”, detecta. “O (ex-prefeito Paulo) Maluf ficou bonzinho perto do (atual prefeito, Gilberto) Kassa”, compara.
Acompanhe a entrevista da urbanista à Rede Brasil Atual:
RBA – Qual sua avaliação da política de desenvolvimento urbano da capital paulista, com a venda de 20 terrenos públicos para a iniciativa privada?
Lucila – É o desrespeito total não à população. As coisas estão acontecendo sem motivação. Estamos vendo é perda total da perspectiva da coisa pública e do gerenciamento da coisa pública pela administração. E com isso, como expressou uma colega, o Maluf ficou bonzinho perto do Kassab, porque nem o Maluf ousava tanto. A Prefeitura está vendendo 20 terrenos que são importantíssimos para o futuro da cidade, que já tem escassez de espaço disponível. São terrenos bem localizados em áreas de grande valorização imobiliária, a maioria em áreas de operações urbanas ou futuras operações urbanas, e serviriam para receber infraestrutura institucional como escolas, creches, postos de saúde, para aguentar o incremento de população que se pretende com essas operações urbanas. Daí o governo municipal vende essa reserva de terrenos para a especulação imobiliária mais sórdida. É o governo fazendo a especulação imobiliária, em vez de combatê-la.
Há cidades do mundo que são boas porque combatem o esgotamento da terra pela excessiva construção, para se ter uma cidade harmoniosa. Ao contrário, o que está acontecendo aqui é que o governo está fomentando uma disputa pela terra e agraciando o setor imobiliário com esse patrimônio que teria uma destinação certa, que seria dotar os usos institucionais e áreas verdes para se ter uma cidade equilibrada. E qual o motivo disso? Ganhar dinheiro para fazer creche? Não é verdade, porque no caso da quadra do Itaim Bibi tem uma creche que vai ser retirada e por outro lado houve um presente com recursos públicos para o setor particular construir o estádio do Corinthians. E as duzentas creches? E os terrenos públicos que estão sendo vendidos? É um rol de coisas que não tem justificativa.
A população está sendo consultada sobre mudanças que impactam o futuro da cidade?
As pessoas não são consideradas. Tudo isso é um abuso por parte do poder público, porque poderia ser algo a que todo mundo poderia aderir, gostar de participar, trabalhar a favor. Bastaria conversar e fazer como no mundo inteiro se faz, pelo menos o mundo desenvolvido. É conversando com as pessoas, apresentando projeto, afinando até chegar a um denominador comum que se busca uma cidade melhor.
A questão do túnel da operação urbana Água Espraiada, que é uma operação de 2001, foi totalmente alterada em seu projeto para fazer uma via-parque, um parque, o túnel e o monotrilho. Sem que nenhum impacto dessas obras fosse realmente discutido e definido. O licenciamento do monotrilho foi condicionado ao cumprimento de 55 exigências. O licenciamento do túnel não existiu. Na realidade existe o licenciamento de um outro túnel com 3.600 metros mas que não é esse. Certamente esse túnel poderia ser feito em outro lugar, com menos impacto nas desapropriações. Então a questão social, do respeito às pessoas, também é responsabilidade da governança.
Por que as comunidades não estão gostando de ver seus bairros remodelados?
Acontece o seguinte: quando são obras de grande impacto há obrigatoriedade de apresentação de Eia-rima, que é um estudo de impacto ambiental. As pessoas têm participado. Estão mais espertas. Muitas vezes têm até contratado técnicos especialistas para analisar esses estudos. Com isso, o que se nota são deficiências imensas de projeto, chegando ao cúmulo do túnel que ligaria a avenida Sena Madureira até a avenida Ricardo Jafet, passando pela Chácara Klabin, não caber no lugar em que ele foi proposto. A comunidade ali se reuniu, contratou consultores de trânsito, transporte, engenheiros e viram que aquele túnel é absolutamente inviável naquele local e ensejaria um monte de desapropriações.
A Prefeitura ignorou uma linha de transmissão da Eletropaulo, que não sabia do projeto. Existe um improviso enorme nesses projetos. Agora, têm de ser submetidos à audiência pública, as pessoas ficam sabendo o quão ruim eles são. Atualmente, com a obrigatoriedade de se publicar e se divulgar e fazer audiências públicas para obter o respectivo licenciamento ambiental, essa ineficácia, essa falta de qualificação de quem faz os projetos vem à tona. Então a comunidade fica muito revoltada, porque fortunas são pagas para projetos de quinta categoria. A população não é contra os projetos, mas contra o mau projeto.
Como é o processo de decisão sobre os projetos urbanísticos na cidade?
O resultado final já é imposto. O que existe é uma imposição de cima para baixo de obras que a prefeitura julga convenientes para ela e não para a cidade. O que ficou claro agora é que a prioridade na cidade não existe. É uma prioridade política e da gestão que está no poder naquele momento. Então todo esse processo nefasto de construir a cidade fica cada vez mais claro. Por isso as pessoas estão tão revoltadas.
O plano diretor criou o plano municipal de planejamento, onde haveria conselho de cidadãos em cada subprefeitura. Essa seria uma forma de discutir planos de bairro, por exemplo, e melhorias na região, mas isso nunca foi implantado.
No caso do viaduto da Avenida Sena Madureira até a Avenida Ricardo Jafet já existia um projeto anterior. Agora as pessoas vão mais atrás de informações e descobrem outro traçado e que há alternativas melhores. Só que essas alternativas não são incorporadas pelo poder público. Eles insistem no mau projeto, insistem em fazer aquela obra de qualquer jeito.
A cidade tem várias operações urbanas em andamento: Centro, Faria Lima, Águas Espraiadas e Água Branca. Já estão em consulta pública para projeto as operações Lapa-Brás, Mooca-Vila Carioca e Rio Verde-Jacu. Qual a impacto dessas operações urbanas na cidade?
O zoneamento básico determina quanto cada pessoa ou empresa pode construir de acordo com a lei. Na operação urbana pode-se chegar no limite e desobedecer esse zoneamento básico. Esse é o problema da operação urbana: nunca se sabe o que vai acontecer ali. Quando tem o zoneamento na região, a gente sabe quantas vezes a área do terreno pode-se construir, onde se pode verticalizar e onde não pode. Na operação urbana é um ‘liberou geral’, não precisa atender recursos, ocupação, gabarito, pode-se construir quatro vezes a área do terreno, desobedecer índices urbanísticos mediante pagamento. A gente nunca sabe o que vai ser no vizinho. Deveria haver um projeto final de operação urbana e não cada um vai fazendo o que quer, quando quer e pedindo autorização caso a caso. Chegamos num ponto em que a gente vai sucumbir mesmo. Nós não temos saída, para essa forma de gerar cidade. O resultado é a inviabilidade urbanística de São Paulo. Estão plantando isso.
São Paulo está se tornando uma cidade inviável?
Exatamente. O prefeito Kassab e os prefeitos anteriores, com essa história, estão gerando uma cidade inviável. Agora, pior ainda com essa megaoperação urbana que eles estão querendo fazer, que é diferente das operações urbanas do plano diretor. O perímetro é ainda maior, praticamente em toda área de várzea. Então vão se esgotar aquelas áreas absolutamente delicadas e sensíveis, hidrologicamente e geologicamente falando. Vão construir maciçamente ali. Inclusive vão colocar uma população imensa e pelo que a gente viu da operação urbana Água Branca até agora – porque essa operação está sendo reformulada – se pretende colocar um número enorme de pessoas lá e não estão prevendo uma escola sequer, hospital, creche; e o que tem de área verde não é suficiente. A ONU determina 12 metros quadrados de área verde por pessoa e ali eles estão propondo 3,2 metros quadrados por pessoa de área verde. Não vai nem corrigir a distorção que a cidade já tem.
Os governos municipal e estadual estão retirando parte da população do Jardim Pantanal porque estariam na várzea do Tietê. Agora a própria Prefeitura quer construir na várzea?
Vão construir na várzea como já ocorre na Água Branca, que é várzea. Na Faria Lima é várzea. Espraiada é várzea. Quase todas as operações urbanas são em áreas de várzea, justamente onde não se deveria adensar, eles estão propondo adensamento. Então o problema da macrodrenagem vai piorar, e muito.