Violência política

Marielle ‘era pedra no caminho’ para negócio miliciano com irmãos Brazão, diz Lessa

Ex-PM que confessou o crime contou que faria parte de uma “sociedade” com os mandantes, Chiquinho e Domingos Brazão. Citou Rivaldo Barbosa como um dos autores intelectuais e disse que Marcelo Freixo foi o primeiro cogitado como alvo

Midia Ninja
Midia Ninja
Segundo o delator, o delegado Rivaldo Barbosa teria protegido os suspeitos nas investigações no caso Marielle

São Paulo – O ex-policial militar Ronnie Lessa disse ter sido contratado pelos irmãos Brazão para assassinar Marielle Franco, considerada uma “pedra no caminho” para expansão de um negócio miliciano em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro. A motivação do crime foi apontada em delação premiada à Polícia Federal, divulgada neste domingo (26) pelo programa Fantástico, da TV Globo.

No depoimento, Lessa, que confessou o crime, afirmou que os mandantes do assassinato ofereceram a ele uma “sociedade”. A ideia era criar uma nova milícia em dois loteamentos clandestinos na região, que seriam dados a ele e ao comparsa, o ex-PM Edimilson de Oliveira, o Macalé, assassinado em 2021. Na proposta, os irmãos Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal (sem partido), afirmavam que os terrenos valiam R$ 100 milhões e que a exploração criminosa poderia render US$ 20 milhões.

“A gente ia criar uma milícia nova. Então ali teria a exploração de ‘gatonet’, a exploração de kombis, venda de gás… a questão valiosa é depois. A manutenção da milícia que vai trazer voto”, declarou à PF. Lessa delatou que os irmãos Brazão, presos em março, estavam incomodados com a atuação de Marielle, que havia convocado reuniões com lideranças comunitárias para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milícia. “Isso foi o que o Domingos (Brazão) passou para a gente. Que a Marielle vai atrapalhar e para isso ela tem que sair do caminho”.

A delação de Lessa

Na delação em vídeo à qual o programa teve acesso, Lessa contou que os mandantes do assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes chegaram a cogitar a possibilidade de a vítima ser, na verdade, o atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo. O ex-PM explicou que conseguiu mudar a ideia dos irmãos. Eles descartaram o assassinato de Freixo porque ele “gozava de grande projeção política”. “Eliminá-lo poderia gerar grande repercussão”.

A PF conseguiu comprovar que o atirador fez pesquisas sobre políticos ligados ao Psol, incluindo Freixo. Atualmente no PT, Freixo era à época uma das lideranças do partido e, em 2008, presidiu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias. O relatório final da investigação apontou os irmãos Brazão como beneficiários do “curral eleitoral” formado por pressão da milícia de Oswaldo Cruz, na zona norte fluminense.

O ex-PM está preso desde 2019. No final do ano passado, Lessa fez um acordo de delação premiada que embasou a denúncia apresentada no início do mês pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa. Nela, os irmãos Brazão são apontados como mandantes do homicídio e como integrantes de uma organização criminosa. Já o delegado Rivaldo Barbosa, também mandante. A delação do matador-confesso, Ronnie Lessa, que implica os irmãos Brazão, fez todo sentido segundo a PGR.

Planejamento do crime

O atirador detalhou ainda ter se reunido com os mentores do crime por três vezes, duas antes do assassinato e uma depois do crime. “O Domingos fala mais e o Chiquinho concorda. E o local escuro, propício ao encontro. Um encontro secreto porque a situação pedia uma coisa dessa, isso seria muito mais inteligente do que sentar numa churrascaria”.

A PF registrou no relatório da investigação não ter encontrado provas desses encontros que, segundo Lessa, se deram em uma rua da Barra da Tijuca, também na zona oeste. Lessa também delatou que o delegado Rivaldo Barbosa teria cuidado para que os suspeitos não fossem incomodados pelo inquérito aberto para investigar o crime. Ele assumiu a chefia da Polícia Civil do Rio um dia antes do assassinato de Marielle. O relatório da PF apontou que Rivaldo teria recebido R$ 400 mil para atrapalhar as investigações do caso.

Marielle e o motorista Anderson Gomes foram assassinados na noite de 14 de março de 2018. A vereadora havia saído de um encontro no instituto Casa das Pretas, no centro do Rio. O carro em que a vereadora estava era acompanhado pelos criminosos que, no bairro do Estácio, o alvejaram com nove tiros na lataria e outros quatro no vidro, que mataram na hora a vereadora e o motorista.

Redação: Clara Assunção com informações do UOL