Governo do RJ anuncia ocupação da Maré para mais uma UPP

Favela é considerada atualmente o maior ponto de venda e consumo de crack do estado; área é dividida entre duas facções de traficantes e uma milícia

Policiais do Bope farão o patrulhamento das ruas da Maré após a ocupação que se inciará pelo Caju (©Daniel Marenco/Folhapress)

Rio de Janeiro – Em meio a uma série de incidentes ocorridos nas últimas semanas em diversas favelas beneficiadas com a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o governo do Rio de Janeiro confirmou que iniciará amanhã (3) a ocupação do Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas da capital. Será a 31ª UPP do Rio, instalada em uma área que tem 130 mil moradores espalhados em 16 comunidades divididas sob o comando de duas facções criminosas e uma milícia. Além disso, a Maré é atualmente – ao lado do Complexo do Jacarezinho – o maior ponto de venda e consumo de crack no estado.

O Complexo da Maré tem peculiaridades que tornarão a nova ocupação um desafio para a Secretaria de Segurança Pública (SSP). Situadas em terreno plano às margens da Baía de Guanabara e localizadas entre as duas principais vias expressas do Rio – a Avenida Brasil e a Linha Amarela – as comunidades locais têm ruas asfaltadas, comércio e intenso movimento de pessoas e veículos durante todo o dia. Na Maré, já existe há alguns anos até mesmo um batalhão da Polícia Militar: “É uma realidade nova, mas estamos preparados. A ocupação dos espaços na Maré se dará de forma gradativa”, diz o secretário José Mariano Beltrame, que reafirmou a intenção do governador Sérgio Cabral de instalar 40 UPPs até o fim de seu governo em 2014.

Coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Uerj, o sociólogo Ignacio Cano aponta a ocupação do Complexo da Maré como crucial para o sucesso da política estadual de segurança pública: “Pela sua localização em relação às vias expressas, com certeza a Maré iria ser ocupada em algum momento, isso faz parte da lógica de expansão do projeto. É uma área complicada, mas não tão complicada quanto, por exemplo, o Complexo do Alemão. Nesse sentido, a experiência do Alemão, com os problemas e os sucessos acontecidos, deve ser importante agora na Maré”, diz.

Cano admite que a ocupação da Maré é um passo ousado do governo, que enfrenta problemas em outras favelas consideradas mais difíceis: “Será preciso criar várias UPPs lá dentro, para as diferentes regiões. A Maré tem várias facções diferentes, tem milícia e uma situação de muito conflito historicamente. Esperamos que essa ocupação consiga aprender com os problemas do passado e minimizar a violência naquela região em um prazo relativamente curto”, diz o sociólogo, antes de ressaltar que “a experiência no Alemão, com os recentes relatos de bandos armados, revela uma situação onde ainda não teria sido completado plenamente o processo de pacificação”.

Gradual

A ocupação gradual pretendida pela SSP, na realidade, começará pelas favelas do bairro do Caju, que, a rigor, jamais foram consideradas como parte do Complexo da Maré, apesar de serem contíguas. Devido às características topográficas semelhantes entre as duas áreas, a ocupação do Caju será uma espécie de “laboratório” antes de a polícia encarar a vizinha Maré, muito mais conflagrada. Nas primeiras horas do domingo, blindados da Marinha atuarão na ocupação das favelas do Caju, assim como já havia sido feito na célebre ocupação do Complexo do Alemão em 2010.

As favelas serão cercadas pelo Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope), que terá o apoio de mil homens e dezenas de cães farejadores. A SSP revelou ainda que outra favela das redondezas – a Barreira do Vasco – também deverá ser ocupada amanhã. A comunidade, que tem sete mil habitantes, fica às margens da Linha Vermelha e é colada ao estádio de São Januário, já no bairro de São Cristóvão.

Tráfico e milícia

A data da entrada na Maré propriamente dita não foi revelada pela SSP, mas deverá ocorrer assim que for traçado um mapa mais preciso da atuação de traficantes e milicianos na região. Das 16 favelas que compõem o complexo, dez são dominadas pela principal facção criminosa do Rio, o Comando Vermelho. Outras quatro comunidades são controladas por uma facção de traficantes rival e duas controladas por milicianos. Estes últimos proíbem a venda de drogas, mas exploram a oferta de serviços de transporte, gás e tevê a cabo, entre outros.

Em meio aos traficantes, também há diferenças, já que a facção que controla o maior número de favelas na Maré não permite mais a venda de crack. Essa proibição não existe nas outras quatro favelas controladas pela facção rival, que acabou tornando a área do complexo por ela dominada em uma grande feira livre de crack. Umas das favelas, o Parque União, é considerada hoje pela SSP como a maior cracolândia do Rio. Na Avenida Brasil, na altura da favela, podem ser vistos centenas de usuários, que construíram uma espécie de acampamento às margens da rodovia.

Curiosamente, outra peculiaridade do Complexo da Maré é a forte atividade social em suas favelas, que abrigam atualmente sedes ou escritórios de mais de 30 ONGs, algumas delas muito conhecidas, como o Observatório de Favelas e a Redes da Maré. No ano passado, logo após o governo ter confirmado a entrada da Maré no cronograma das UPPs, as ONGs locais, com o apoio da Anistia Internacional, distribuíram cartilhas aos moradores com “dicas para a relação com a polícia”. O documento valoriza a chegada da UPP, mas também instrui os moradores, entre outras coisas, a não permitirem que “policiais entrem nas casas sem mandato de busca e apreensão”.

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