Prefeitura de SP quer entregar moradia popular sem definir critérios de ocupação

Conjunto habitacional no Jardim Edith é o primeiro construído com dinheiro das Operações Urbanas, mas futuros beneficiados ainda estão no escuro quanto ao destino das primeiras unidades entregues

Gerôncio Neto em frente ao velho endereço, nos novos apartamento ainda em obras em fevereiro (Foto: Danilo Ramos)

São Paulo – Fora de suas casas desde 2009, os moradores removidos do Jardim Edith, nos arredores da Avenida Roberto Marinho, zona sul de São Paulo, parecem estar prestes a voltar para o bairro onde viviam há décadas. E isso os preocupa. Segundo o líder comunitário Gerôncio Henrique Neto, de 70 anos, representantes da Secretária de Habitação municipal afirmaram que os primeiros 92 apartamentos do total de 252 previstos serão entregues até o fim do mês. Mas os critérios para a entrega das chaves não foram apresentados. A incerteza tem deixado os moradores preocupados.

Desde 2009, as famílias recebem auxílio-aluguel. Para se mudar de onde moram atualmente, precisam desfazer contratos de locação, quitar eventuais contas de água e luz atrasadas e saber como irão transportar móveis para os novos apartamentos no velho endereço.

“O que a gente quer é um prazo certo e critério. A prefeitura tem que dizer que vai entregar no dia tal e sentar para discutir com a comunidade qual será o critério adotado. Vai ser sorteio, indicação? Mas nada com esse pessoal é feito se o juiz não manda”, afirma o líder comunitário, que conta que já acionou a defensoria pública para que a situação seja esclarecida pelo poder público.

Para os moradores, o ideal é que as unidades habitacionais de 50 m² sejam entregues em março. Assim, haverá tempo hábil para que todos planejem a mudança. “Meu filho, por exemplo, adiantou três meses de aluguel e precisa avisar com antecedência que vai sair do lugar para ficar sem pagar o aluguel e recuperar o dinheiro. Mas como vai fazer isso, se a prefeitura não diz quando e como vai distribuir as chaves?”, exemplifica.

A reportagem da RBA procurou a Secretária de Habitação para comentar a situação, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Especulação

O problema é só mais um na história dos moradores do bairro, encravado em uma das áreas mais valorizadas da cidade, contemplada com a Operação Urbana Água Espraiada. A região havia sido ocupada nos anos 70, quando não passava de um brejo alagadiço. 

Para voltar às antigas casas, foi necessário travar uma intensa luta política e judicial. O reconhecimento da área do bairro popular como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) foi contestado pelo menos três vezes em função da forte especulação imobiliária que tomou a região a partir dos investimentos em infraestrutura viária empreendidos pela prefeitura de São Paulo desde os anos 90. 

“Um vereador me disse uma vez que a especulação imobiliária estava acima de tudo, até da lei. Mas eu disse que não. Que a lei estava do nosso lado e fui lutar pelos nossos direitos”, conta.

Mesmo depois de reconhecida como Zeis, não cessaram as ofertas em dinheiro para que saíssem da área. Mas os moradores organizados resistiram e agora serão os primeiros moradores beneficiados com recursos provenientes da venda de Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs) em operações urbanas na cidade. 

“Hoje em dia, a Elisabete [França, secretária adjunta de habitação] me pergunta porque eu não fico feliz por ela estar me dando uns prédios tão bonitos e eu digo que é porque não tem motivo. Eles só estão fazendo porque o juiz mandou. Porque eles queriam era dar R$ 5 mil para cada família sair dali e pronto”.

Cepacs

A lei das Operações Urbanas garante que moradores que eventualmente tenham que ser removidos para a realização de obras ou por estarem em situação vulnerável sejam realocados no perímetro beneficiado pelos investimentos urbanísticos. Mas a prefeitura resiste em cumprir com essa orientação. Os moradores do Jardim Edith são os primeiros da cidade a usufruírem do que determina a lei.

Em meados de novembro, a prefeitura informou ao Ministério Público (MP) que a venda de Cepacs da Operação Urbana Água Espraiada havia arrecadado R$ 3,2 bilhões, sendo R$ 129 milhões previstos para moradia. Apesar disso, apenas R$ 73 milhões haviam sido aplicados nesse quesito. O MP considerou o valor investido baixo e afirmou que irá apresentar um Termo de Ajuste de Conduta para a próxima gestão municipal.

As unidades para os moradores do Jardim Edith estão divididas em cinco torres, duas de cinco andares e três com 15. Cada apartamento tem dois quartos, sala, cozinha e banheiro. No entanto, Gerôncio afirma que, além dele, nenhum outro morador viu como será seu futuro lar. Além das moradias, o novo bairro vai contar com uma creche, posto de saúde e restaurante-escola. Os moradores também revindicam que uma área onde deveria ter sido construída uma Unidade de Básica de Saúde continue sendo considerada parte da Zeis.

A previsão de entrega para os outros 160 apartamentos é até março do ano que vem.

 

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