Prefeitura de SP quer entregar moradia popular sem definir critérios de ocupação
Conjunto habitacional no Jardim Edith é o primeiro construído com dinheiro das Operações Urbanas, mas futuros beneficiados ainda estão no escuro quanto ao destino das primeiras unidades entregues
Publicado 06/12/2012 - 18h11
Gerôncio Neto em frente ao velho endereço, nos novos apartamento ainda em obras em fevereiro (Foto: Danilo Ramos)
São Paulo – Fora de suas casas desde 2009, os moradores removidos do Jardim Edith, nos arredores da Avenida Roberto Marinho, zona sul de São Paulo, parecem estar prestes a voltar para o bairro onde viviam há décadas. E isso os preocupa. Segundo o líder comunitário Gerôncio Henrique Neto, de 70 anos, representantes da Secretária de Habitação municipal afirmaram que os primeiros 92 apartamentos do total de 252 previstos serão entregues até o fim do mês. Mas os critérios para a entrega das chaves não foram apresentados. A incerteza tem deixado os moradores preocupados.
Desde 2009, as famílias recebem auxílio-aluguel. Para se mudar de onde moram atualmente, precisam desfazer contratos de locação, quitar eventuais contas de água e luz atrasadas e saber como irão transportar móveis para os novos apartamentos no velho endereço.
“O que a gente quer é um prazo certo e critério. A prefeitura tem que dizer que vai entregar no dia tal e sentar para discutir com a comunidade qual será o critério adotado. Vai ser sorteio, indicação? Mas nada com esse pessoal é feito se o juiz não manda”, afirma o líder comunitário, que conta que já acionou a defensoria pública para que a situação seja esclarecida pelo poder público.
Para os moradores, o ideal é que as unidades habitacionais de 50 m² sejam entregues em março. Assim, haverá tempo hábil para que todos planejem a mudança. “Meu filho, por exemplo, adiantou três meses de aluguel e precisa avisar com antecedência que vai sair do lugar para ficar sem pagar o aluguel e recuperar o dinheiro. Mas como vai fazer isso, se a prefeitura não diz quando e como vai distribuir as chaves?”, exemplifica.
A reportagem da RBA procurou a Secretária de Habitação para comentar a situação, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Especulação
O problema é só mais um na história dos moradores do bairro, encravado em uma das áreas mais valorizadas da cidade, contemplada com a Operação Urbana Água Espraiada. A região havia sido ocupada nos anos 70, quando não passava de um brejo alagadiço.
Para voltar às antigas casas, foi necessário travar uma intensa luta política e judicial. O reconhecimento da área do bairro popular como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) foi contestado pelo menos três vezes em função da forte especulação imobiliária que tomou a região a partir dos investimentos em infraestrutura viária empreendidos pela prefeitura de São Paulo desde os anos 90.
“Um vereador me disse uma vez que a especulação imobiliária estava acima de tudo, até da lei. Mas eu disse que não. Que a lei estava do nosso lado e fui lutar pelos nossos direitos”, conta.
Mesmo depois de reconhecida como Zeis, não cessaram as ofertas em dinheiro para que saíssem da área. Mas os moradores organizados resistiram e agora serão os primeiros moradores beneficiados com recursos provenientes da venda de Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs) em operações urbanas na cidade.
“Hoje em dia, a Elisabete [França, secretária adjunta de habitação] me pergunta porque eu não fico feliz por ela estar me dando uns prédios tão bonitos e eu digo que é porque não tem motivo. Eles só estão fazendo porque o juiz mandou. Porque eles queriam era dar R$ 5 mil para cada família sair dali e pronto”.
Cepacs
A lei das Operações Urbanas garante que moradores que eventualmente tenham que ser removidos para a realização de obras ou por estarem em situação vulnerável sejam realocados no perímetro beneficiado pelos investimentos urbanísticos. Mas a prefeitura resiste em cumprir com essa orientação. Os moradores do Jardim Edith são os primeiros da cidade a usufruírem do que determina a lei.
Em meados de novembro, a prefeitura informou ao Ministério Público (MP) que a venda de Cepacs da Operação Urbana Água Espraiada havia arrecadado R$ 3,2 bilhões, sendo R$ 129 milhões previstos para moradia. Apesar disso, apenas R$ 73 milhões haviam sido aplicados nesse quesito. O MP considerou o valor investido baixo e afirmou que irá apresentar um Termo de Ajuste de Conduta para a próxima gestão municipal.
As unidades para os moradores do Jardim Edith estão divididas em cinco torres, duas de cinco andares e três com 15. Cada apartamento tem dois quartos, sala, cozinha e banheiro. No entanto, Gerôncio afirma que, além dele, nenhum outro morador viu como será seu futuro lar. Além das moradias, o novo bairro vai contar com uma creche, posto de saúde e restaurante-escola. Os moradores também revindicam que uma área onde deveria ter sido construída uma Unidade de Básica de Saúde continue sendo considerada parte da Zeis.
A previsão de entrega para os outros 160 apartamentos é até março do ano que vem.