Após tragédia em Angra, política de ocupação do solo deve ser revista

Revisão do zoneamento ecológico está em andamento, mas só deve ser completada no segundo semestre. Ambientalistas pedem revogação de decreto que autoriza construções em áreas de proteção ambiental

Bombeiros vasculham escombros na Ilha Grande (foto: Bruno Figueiredo/O Tempo/Folhapress)

Rio de Janeiro – A tragédia causada pelos deslizamentos de terra que provocaram a morte de 52 pessoas no município de Angra dos Reis (RJ) e em algumas de suas ilhas na virada do ano traz mais uma vez à tona a discussão sobre a necessidade de se combater formas ilegais de ocupação habitacional daquela região. Ciente do risco de novos acidentes, o governo do Rio de Janeiro decidiu fazer uma revisão do zoneamento ecológico da Área de Proteção Ambiental (APA) Tamoios, que cobre as 93 ilhas e recifes da Baía da Ilha Grande, além de 81 quilômetros na faixa litorânea continental de Angra.

Segundo o diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), André Ilha, a ampliação do Parque Estadual da Ilha Grande vinha sendo planejada com mais determinação pelo menos desde fevereiro de 2007, quando foi assinado um decreto do governador Sérgio Cabral. O plano seria compatível com o Plano Diretor de Angra dos Reis, revisto em 2008, ao prever um “ajuste fino” da quase duplicação daquela unidade de conservação.

“Agora, às considerações de ordem estritamente ambiental nas quais estávamos nos baseando, vamos adicionar também a variável de risco, o que provavelmente redundará em uma proposta mais abrangente de ampliação”, promete Ilha. “Nada mais lógico do que agregar, aos limites do parque, áreas que, por razões de segurança, devam permanecer como não-edificantes”, afirma.

Com longa trajetória de militância ecológica e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), André Ilha conhece bem os limites que a natureza impõe à região de Angra e sabe que os moradores da cidade só terão segurança completa se forem removidas diversas construções em áreas de risco. “A decisão de remoção de um grande número de edificações consolidadas é uma decisão eminentemente política, mas que sempre encontrou fortes resistências, pois interesses pessoais são contrariados. Porém, graças à comoção causada pela tragédia da virada do ano, isto agora se tornou mais viável, pois as vozes que tradicionalmente se erguem contra medidas duras, porém indispensáveis, como essas, perderam muita força frente à ainda mais dura realidade dos fatos”, diz.

O diretor do Inea explica que, no que se refere à Ilha Grande, “o primeiro passo concreto já foi dado” pelo governo estadual. “Uma grande equipe do Inea está percorrendo todas as praias e costões rochosos à beira-mar na Ilha Grande e identificando, de forma sistemática, as edificações – legalizadas ou não – ameaçadas pelo possível deslizamento de encostas”, explica. Nestes casos, a remoção será recomendada no prazo mais curto possível. “Em face das mudanças climáticas, estima-se que eventos meteorológicos extremos como o desta passagem de ano se tornem mais frequentes, assim como as suas consequências desastrosas”, profetiza Ilha.

Comandada pelo coronel Jorge Benedito de Oliveira, uma equipe de 35 técnicos do Inea percorrem cem praias na Ilha Grande durante o mês de janeiro para realizar um mapeamento de todas as áreas de risco e ocupações irregulares. Uma primeira vistoria aérea, realizada logo após os deslizamentos de terra da virada do ano, identificou dezenas de áreas de risco e cerca de 300 pontos de ocupação irregular: “Verificamos um desrespeito total ao zoneamento e identificamos muitas construções irregulares, de casebres a mansões”, conta o coronel.

Ricos também irregulares

O mito de que apenas os pobres constroem habitações irregulares na região de Angra também é derrubado pela inspeção do Inea. “A ocupação desordenada do solo e das encostas não é privilégio de nenhuma classe social específica”, pondera Ilha. “Temos exemplos contundentes de crimes ambientais causados tanto pela expansão de favelas quanto por construções de elevado padrão, sendo que aos pobres ao menos se pode conceder a atenuante da falta de opções. Infelizmente, o desprezo pelo meio ambiente é uma característica média comum a todas as nossas classes sociais”, lamenta.

A revisão do zoneamento ecológico da APA Tamoios só deverá ser concluída no segundo semestre, mas o Inea espera resultados pontuais mais rápidos. Isso porque, parte da revisão do Plano de Manejo da APA Tamoios referente à Ilha Grande encontra-se pronta, fruto da discussão do Plano Diretor de Angra dos Reis para a região. “Assim, solicitamos ao Conselho Consultivo da APA que a analisasse em caráter de urgência, e este prometeu concluir esta avaliação até o final de janeiro, o que criará condições para um novo ato normativo, consensual, a ser expedido já em fevereiro”, avalia André Ilha.

A licitação para escolha da empresa que promoverá os estudos relativos ao zoneamento ecológico no restante da APA Tamoios já foi realizada, segundo o diretor do Inea. Além da franja continental, ilhas menores também precisam ser analisadas. “A empresa dispõe de um prazo de cinco meses para concluir esses estudos”, diz. A expectativa do governo é que muitos outros pontos de ocupação irregular ainda sejam detectados. De acordo com a Secretaria Estadual do Ambiente, cerca de três mil construções em áreas de risco devem ser demolidas em Angra dos Reis.