Prefeitura do Rio inicia processo de remoções para Parque Olímpico

Rio de Janeiro – A Prefeitura do Rio de Janeiro deu início na quarta-feira (19) ao processo de cadastramento dos cerca de três mil moradores que serão removidos de um […]

Rio de Janeiro – A Prefeitura do Rio de Janeiro deu início na quarta-feira (19) ao processo de cadastramento dos cerca de três mil moradores que serão removidos de um terreno na Zona Oeste da cidade onde será construído o Parque Olímpico de 2016. A área, contígua ao Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá, é ocupada pela Vila Autódromo – uma antiga colônia de pescadores que se transformou em favela -, e sua desocupação tem uma forte significação política, já que a comunidade foi escolhida pelas organizações dos movimentos sociais como símbolo da luta contra a concentração de negócios e a especulação imobiliária decorrentes, segundo os críticos, da maneira como está sendo conduzida a organização dos Jogos.

Somada com a do autódromo, que será demolido, a área total do terreno onde ficará o Parque Olímpico é superior a 1,5 milhão de metros quadrados. Cerca de 75% dela será destinada à iniciativa privada, que poderá erguer condomínios residenciais ou comerciais e hotéis. Os 25% de espaço restantes serão suficientes para abrigar 15 modalidades esportivas, segundo o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Algumas instalações, como ginásios poliesportivos e uma pista de atletismo, serão definitivas e permanecerão a serviço do COB após os Jogos, assim como alojamentos para atletas e laboratórios de medicina esportiva. Outras instalações esportivas serão provisórias e deverão receber competições de natação, ciclismo e tênis, entre outras.

A Prefeitura obteve autorização da Justiça para uma primeira remoção parcial da Vila Autódromo em fevereiro, mas o objetivo agora é acelerar o processo e concluir o reassentamento de seus moradores até o final de 2013. A Secretaria Municipal de Habitação promete reassentar todos os removidos da área em apartamentos do conjunto residencial Parque Carioca, também em Jacarepaguá, que ainda começará a ser construído com recursos do programa “Minha Casa, Minha Vida” do governo federal. O conjunto ficará situado a cerca de um quilômetro de onde se encontra atualmente a Vila Autódromo, em um terreno de 85 mil metros quadrados, e terá prédios de cinco andares com apartamentos de dois ou três quartos.

“O projeto está em fase de licenciamento, e a nossa expectativa é que o Parque Carioca esteja concluído em um ano e meio. Nenhuma família sairá da Vila Autódromo antes desses apartamentos ficarem prontos”, promete o secretário de Habitação, Jorge Bittar, condutor de todo o processo. O secretário já esteve diversas vezes na comunidade, alvo de tentativas de remoção há pelo menos 25 anos, para conquistar a confiança dos moradores: “Dessa vez é diferente. Estamos oferecendo uma alternativa com qualidade. Ninguém terá de deixar sua casa para viver de aluguel social”, diz Bittar.

Segundo o presidente da Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo, Altair Guimarães, “a maioria dos moradores não quer sair” da comunidade: “A Vila Autódromo tem 40 anos e muitos moradores nasceram e cresceram aqui. Não se trata simplesmente de reassentar, pois vão destruir a vida de muita gente que está toda estruturada aqui. A comunidade não tem interesse em sair apenas para atender a especulação imobiliária”, diz.

Corredores expressos

A demolição da Vila Autódromo será o ponto alto de um processo levado a cabo pela Prefeitura com o objetivo de preparar a Zona Oeste do Rio para as Olimpíadas de 2016. Quatro outras favelas da região já foram removidas total ou parcialmente para a implantação do corredor expresso de ônibus BRT Transoeste, que ligará a Barra da Tijuca a Campo Grande e Santa Cruz. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, 546 famílias foram removidas nessas quatro comunidades. Uma parte das famílias (271) recebeu indenização, e a outra (275) foi reassentada em empreendimentos do programa “Minha Casa, Minha Vida”. A Secretaria também informa a remoção de 77 famílias por conta da construção de outro corredor expresso de ônibus, o BRT Transcarioca, que ligará a Barra da Tijuca ao Aeroporto do Galeão.

Na opinião de Erick Omena, que é pesquisador do Observatório das Metrópoles do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ, a maneira como está se dando o processo de remoções na cidade com vistas às Olimpíadas repete um roteiro previamente traçado: “A história mostra que os megaeventos esportivos trazem uma série de expropriações à população mais pobre. O processo de expropriação de terras é uma constante, e quase sempre recai sobre as populações mais vulneráveis”, diz, lembrando que o terreno onde está a Vila Autódromo e será erguido o Parque Olímpico fica em um dos pontos que mais se valoriza no Rio de Janeiro, a cerca de 500 metros do local onde foi recentemente realizado o festival Rock in Rio.

“Falta transparência”

A falta de um cronograma detalhado sobre as próximas remoções também provoca fortes críticas no meio acadêmico e social: “A ausência de transparência e a ausência de participação popular nas decisões são coisas que a gente percebe de forma muita clara na organização das Olimpíadas no Brasil”, afirma Omena, ressaltando que a Copa do Mundo de 2014 também já provoca a remoção de populações vulneráveis, como é o caso da favela do Metrô Mangueira, nascida da ocupação de um terreno ocioso da construção de uma estação do Metrô próxima ao estádio do Maracanã.

A favela existe há pouco mais de 20 anos, mas nunca havia se falado em remoção: “Por quê e para que se está removendo a comunidade do Metrô Mangueira agora? Esta é outra informação oculta para a sociedade. É para construir um grande estacionamento para os turistas que forem ao Maracanã durante a Copa, como dizem? Tudo indica que sim, mas isso não está claro, jamais foi explicitado. Então, essa ausência de transparência é um agente complicador”, afirma o pesquisador.
 
A própria reforma do Maracanã é citada por Omena como exemplo da falta de transparência na condução da organização dos megaeventos esportivos que acontecerão no Brasil: “Nem mesmo o projeto da reconstrução do Maracanã foi até o momento tornado público. O que se fez até agora foi uma apresentação muito mais artística do que propriamente técnica. Não foram mostrados todos os detalhes do orçamento e dos materiais que estão sendo utilizados em cada parte do estádio, mostrando porque tudo é tão caro e qual é o planejamento para essas obras. Tudo isso ainda está muito nebuloso. Essa postura do poder público atrapalha”, diz.