Em fase decisiva, greve dos bombeiros se divide em três frentes

Pelo segundo dia seguido, um grupo de bombeiros acampou na escadaria da Assembleia Legislativa (Foto: Wallace Teixeira / Fotoarena /Folhapress) Rio de Janeiro – Passados 50 dias do início do […]

Pelo segundo dia seguido, um grupo de bombeiros acampou na escadaria da Assembleia Legislativa (Foto: Wallace Teixeira / Fotoarena /Folhapress)

Rio de Janeiro – Passados 50 dias do início do movimento dos bombeiros do Rio de Janeiro por melhores condições de trabalho e salário, a mobilização entra em fase decisiva, dividido em três frentes de atuação. A primeira e mais desgastada diz respeito à relação com o poder público, representada pelo fracasso das negociações com o governo estadual, pela falta de diálogo com o Comando-Geral do Corpo de Bombeiros e pelo enfrentamento direto com a Polícia Militar.

Outra frente é a crescente relação política dos bombeiros com organizações da sociedade civil e parlamentares de diversos partidos, que aponta para a nacionalização do movimento. Por fim, mas não menos importante, vem a relação com a população, na qual se misturam o apoio à reivindicação trabalhista dos bombeiros e o repúdio à paralisação de alguns serviços importantes e aos atos de vandalismo cometidos por grevistas durante as manifestações.

Em meio a enfrentamentos políticos e físicos entre bombeiros e o governo estadual e a própria Polícia Militar, a população do Rio de Janeiro está aparentemente dividida em relação ao movimento. Existe entre os cariocas o sentimento generalizado de que os bombeiros merecem ganhar mais do que o piso de R$ 950,00 concedido atualmente pelo governo estadual. Por outro lado, o abandono total ou parcial de serviços como a emergência neonatal (transporte de recém-nascidos) ou a vigilância dos guarda-vidas nas praias da cidade, entre outros, sofrem claro repúdio da população.

Nesta terça-feira (7), grevistas distribuíram nas ruas fitas vermelhas de apoio ao movimento que foram acolhidas por uns e rejeitadas por outros, numa clara demonstração da encruzilhada em que se encontram os bombeiros do Rio de Janeiro.

A possibilidade de nacionalização da mobilização dos bombeiros foi citada nesta terça por diversos parlamentares em Brasília. “Existe a preocupação de alguns governadores com o fato de o movimento dos bombeiros do Rio estar tomando uma dimensão nacional”, disse o deputado federal Mendonça Prado (DEM-SE), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que apoia o movimento, prometeu “atuar para evitar o caminho da radicalização” e se colocou à disposição para uma intermediação junto ao governador Sérgio Cabral. “O movimento é legítimo”, disse.

Na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), deputados estaduais de matizes diferenciados têm manifestado apoio aos bombeiros. Na segunda-feira (6), uma comissão de grevistas se reuniu a portas fechadas com os deputados Marcelo Freixo (PSOL), Janira Rocha (PSOL), Wagner Montes (PDT), Paulo Ramos (PDT), Flávio Bolsonaro (PP) e Clarissa Garotinho (PR). Ao fim da reunião, os parlamentares soltaram uma nota conjunta. “Diante da importância do Corpo de Bombeiros para o Rio, não é condizente pagar a esses admiráveis servidores os salários mais baixos do Brasil, criticaram.

O apoio dos deputados fluminenses aos bombeiros se dá por razões diversas. Os parlamentares de esquerda mais ideológicos, como os dois do PSOL ou o petista Robson Leite, apoiam as reivindicações salariais e trabalhistas do movimento por questões de princípio. Outros têm nos profissionais de farda uma parte de sua base eleitoral, casos de Wagner Montes, de Bolsonaro e também do deputado petista Zaqueu Teixeira, ex-chefe da Polícia Civil e presidente da Comissão de Segurança Pública da Alerj.

Outros deputados – cerca de 30 já manifestaram seu apoio – se colocam ao lado dos bombeiros de olho nas possibilidades políticas trazidas pelo movimento e também nas eleições municipais do ano que vem. É o caso de Clarissa Garotinho, que deve ser candidata à vice-prefeita do Rio na chapa encabeçada pelo deputado federal Rodrigo Maia (DEM). Pai de Clarissa, o deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ), demonstrou estar atento à força do movimento dos bombeiros cariocas ao citá-lo da tribuna da Câmara, durante a polêmica declaração na qual falou que o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, é “um diamante de R$ 20 milhões”.

Enfrentamento

Em relação às autoridades do Executivo estadual, a interlocução dos bombeiros não é tão fluente. O governador Sérgio Cabral, que nos últimos dias se dirigiu aos grevistas com termos como “vândalos”, “irresponsáveis” e “delinqüentes”, parece irredutível em sua decisão de afastar os 439 bombeiros presos no sábado (4) durante a desocupação do quartel central da corporação.

Cabral também exonerou o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Pedro Machado, e o substituiu pelo coronel Sérgio Simões. A primeira tarefa de Simões, que já se reuniu com os comandantes das 108 unidades operacionais dos bombeiros no Estado, é resgatar o diálogo: “Passei aos comandantes a mensagem de que é preciso ouvir as tropas”, disse.

Se falta diálogo com as autoridades e com o comando da própria corporação, o que os bombeiros grevistas enfrentam na relação direta com a PM nas ruas é o temor mútuo provocado pela escalada de violência. Após diversos episódios de tensão ocorridos durante as manifestações organizadas pela categoria em todo o Rio, a relação com a PM azedou de vez na noite da invasão ao Quartel-Central do Corpo de Bombeiros, quando o comandante do Batalhão de Choque da polícia, coronel Waldir Soares, teve o braço quebrado e o joelho lesionado após sofrer agressões.

Tiros e marteladas

No dia seguinte, quando homens do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) retomaram o quartel-central ocupado por cerca de mil pessoas, multiplicaram-se os relatos de truculência excessiva contra os bombeiros e seus familiares. Tiros de fuzil chegaram a ser disparados para o alto, fato que provocou pânico e corre-corre entre mulheres e crianças e, segundo relatos, teria provocado até mesmo um aborto em Cléia Meneghelli, mulher de um dos grevistas que agora promete processar o Estado. Ainda no dia da desocupação, o chefe de gabinete do Comando-Geral da PM, coronel Carlos Milagres, teria sofrido uma tentativa de agressão com um martelo que acabou atingindo um soldado do Choque.