Reparação

Usina usada pela repressão na ditadura vai virar assentamento do MST

Fornos da Usina Cambahyba, que agora vai virar Assentamento Cícero Dias, foram utilizados para incinerar corpos de 12 opositores da ditadura na década de 1970

Divulgação
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São Paulo – O Governo Federal anunciou nesta terça-feira (22) que vai destinar para a reforma agrária a área onde funcionou a Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes. O terreno será formalizado como assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e abrigará lotes para 185 famílias. A área, que inclui sete fazendas em 3.500 hectares, está em disputa há quase três décadas. Em 2012, foi considerada improdutiva pela Justiça. Em 2021, foi desapropriada e destinada ao Incra pela 1ª Vara Federal de Campos.

Em junho daquele ano, a área foi ocupada por cerca de 300 famílias do MST. O local ficou conhecido como um dos territórios de violência política da ditadura no Rio de Janeiro. Os fornos da usina teriam sido utilizados na década de 1970 para incinerar os corpos de 12 vítimas do regime.

A secretária de Diálogos Sociais da Secretaria Geral da Presidência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, Kelli Mafort, anunciou a inclusão de Cambahyba na reforma agrária à deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) na quinta-feira, 17 de agosto, durante a cerimônia de posse dos integrantes do órgão.

De acordo com a jornalista Flávia Oliveira, do jornal O Globo, o assentamento levará o nome de Cícero Guedes, ativista que se libertou do trabalho análogo à escravidão em lavouras de cana-de-açúcar na infância, em Alagoas, e migrou para Campos. Ele aprendeu a ler aos 40 anos, integrou o MST, na virada do século foi oficializado no assentamento Zumbi dos Palmares, na área da extinta Usina São João, também no município. Cícero foi assassinado a tiros em 2013.

Violência e resistência

A Usina Cambahyba foi uma das grandes propriedades agroindustriais do município e está desativada por completo desde a safra de 1995/1996, quando mantinha área total de 6.763 hectares, dos quais 85% foram dedicados à produção de cana.

Em junho, durante visita ao local, a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) destacou, por meio de rede social, que “a ocupação destas terras significa a denúncia do projeto de exploração dos trabalhadores e da natureza. Essa terra tem a essência da história de exploração política e econômica que o latifúndio e o agronegócio faz em nosso pais”, afirmou.

Ainda em 2021, quando a Justiça determinou a desapropriação, o MST ressaltou que a história da Usina Cambahyba “expressa a formação da grande propriedade no Brasil”. “É uma história de violência, mas de resistência dos trabalhadores e trabalhadoras. Por isso, nós, trabalhadores e trabalhadoras do MST/RJ, não abandonamos nunca a luta pela Cambahyba, porque é nossa história, é nossa resistência, é a nossa capacidade de irresignação diante da injustiça do latifúndio, é pela memória dos lutadores e lutadoras, como Cícero, Neli, Seu Antonio que nos legaram sementes que reafirmamos: a Cambahyba é nossa”.

Ocultação de cadáver

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou que no local foram incinerados 12 corpos de presos políticos recolhidos da Casa da Morte, o centro clandestino de tortura em Petrópolis (RJ), e do DOI-Codi, na capital. O ex-delegado Cláudio Antônio Guerra, do Dops, afirmou em depoimento que “atendia a chamados do capitão de cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira e recebia os corpos diretamente da equipe do militar”, informa o relatório da CNV.

A Justiça Federal de Campos condenou Guerra a sete anos de prisão em regime semiaberto por ocultação de cadáveres durante a ditadura e o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-delegado com base em relatos no livro “Memórias de uma guerra suja”.