Direitos

Tarcísio mantém ‘tradição reacionária e desumana’ na gestão pública, afirma Pedro Serrano

Entidades e movimentos acreditam que conseguirão barrar no STF lei estadual paulista sobre terras devolutas

@cyla_photo/Comunicação MST
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Gilmar Mauro no ato da Faculdade de Direito da USP: governo paulista quer fazer 'grilagem da grilagem' vendendo terras a preços baixos para latifundiários

São Paulo – O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), mantém a “postura aporofóbica” das elites brasileiras, afirmou o jurista Pedro Serrano durante evento de protesto contra a lei de “regularização de terras” aprovada no estado em 2022. Entidades se mobilizaram contra a lei, que afirmam ser inconstitucional, e aguardam posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.326), que tem a ministra Cármen Lúcia como relatora.

Realizado nesta terça-feira (8), o ato lotou o Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e terminou com leitura de carta pública que será encaminhada à Fundação Instituto de Terras do Estado (Itesp). Para as entidades que a assinam, a Lei estadual 17.557, de 2022, “a despeito de regularizar terras devolutas, entrega a última grande porção de terras públicas do estado de São Paulo justamente aos fazendeiros que se beneficiaram de um longo processo fraudulento, a grilagem de terras, em áreas localizadas principalmente na região conhecida como Pontal do Paranapanema”. Assim, a lei “é uma clara violação ao uso social da terra”.

Pincelada liberal, conteúdo cruel

Para Pedro Serrano, a “doação” de terras a fazendeiros não é novidade na história brasileira. Uma pincelada liberal de conteúdo cruel, define. “Nós fomos o país com mais tempo de escravismo do mundo, o cento do escravismo mundial”, disse o jurista, ao lembrar que na abolição os indenizados não foram os escravos, mas os proprietários. “Tarcísio dá continuidade a essa tradição genocida, reacionária, desumana. Tarcísio e Zema (Romeu Zema, governador de Minas Gerais) são tão fascistas quanto Bolsonaro. Essa lei representa muito mais do que ela é. Representa que ainda estamos enfrentando a nova direita.” Que consegue muitas vezes escamotear suas verdadeiras intenções, acrescentou.

Diretora de Mediação e Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), a ex-juíza Cláudia Maria Dadico reforçou. Segundo ela, o julgamento da ADI 7.326 é “estratégico em termos de enfrentamento às pautas da extrema direita”. “O que se pretende aqui em São Paulo é o que a extrema direita quer fazer em todo o país”, afirmou. Ela espera que o STF estabeleça outro “parâmetro jurídico” para a questão, porque a lei beneficia quem quer usurpar terras públicas.

Privilegiados x excluídos

O diretor da Faculdade de Direito, Celso Fernandes Campilongo, afirmou que enquanto os movimentos sociais costumam ser tratados de forma preconceituosa, os que têm poder econômico recebem certo tratamento seletivo. Assim, há uma questão entre privilegiados e excluídos. “Alguns resolvem qualificar o Direito como mero protetor das classes dominantes.”

O governo paulista quer fazer “a grilagem da grilagem”, repassando terras devolutas “a preços super baratos” para os latifundiários. A terra, afirmou, precisa ir para quem produz, para proporcionar emprego e renda. “Precisamos discutir qual é a função social da terra para a humanidade. Os mais prejudicados nem nasceram ainda.”

Otimismo no STF

Um dos proponentes da ADI, o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT) acredita em sucesso no STF. “Temos feito todos os movimentos necessários para que a gente possa barrar essa lei. Acredito que estamos próximos de uma grande vitória.”

Assinam a carta pública o Centro Acadêmico XI de Agosto, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), o MST, PT, Psol e as bancadas de deputados da Federação PT/PCdoB/PV e do Psol na Assembleia Legislativa paulista.

O também deputado Carlos Giannazi lembrou que há praticamente um ano, em 11 de agosto de 2022, a mesma Faculdade de Direito foi palco de lançamento de uma “Carta aos Brasileiros”, pela democracia. Uma política de reforma agrária faz parte desse processo.

Confira a íntegra do documento lido hoje.

CARTA EM DEFESA DAS TERRAS PÚBLICAS E DA DEMOCRACIA

Em 11 de agosto de 2022, nas arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi lida a “Carta às brasileiras e aos brasileiros, em defesa do Estado Democrático de Direito”. Às vésperas do início da campanha eleitoral daquele ano, parte da sociedade veio a público relembrar a penosa luta pela reconquista da democracia e a grandeza da Constituição Federal de 1988, nosso pacto maior.

Ao mesmo tempo em que enalteceu a defesa da democracia, a Carta de 2022 enfatizou que ainda há muito a ser feito pois, “vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública”. “Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável”, dizia o documento.

Certamente, poderíamos acrescentar a essa caminhada a necessária execução de uma política de reforma agrária que seja realmente capaz de garantir a democratização do acesso à terra aos trabalhadores rurais, gerando renda para quem vive no campo e o direito de todos e todas à alimentação saudável, reduzindo a fome e a insegurança alimentar que afligem o nosso povo, nos lares e nas ruas, no campo e na cidade.

Nesse contexto social, a defesa pública do Estado Democrático de Direito garantiu ao Brasil eleições livres e a solidez de suas instituições, mesmo após diversos episódios antidemocráticos vividos em um passado recente. Ao dialogarem entre si, as instituições contribuíram e contribuem para a busca do pleno exercício das liberdades, objetivando afiançar uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, com garantia de direitos sociais e individuais e de bem-estar de modo geral. É na prerrogativa desse conjunto de liberdades e direitos constitucionais que mais uma vez conclamamos a sociedade.

Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.326/2022, em que partidos políticos e movimentos sociais somam esforços para declarar inconstitucional a Lei 17.557/2022 do Estado de São Paulo. Esta lei, a despeito de regularizar terras devolutas, entrega a última grande porção de terras públicas do Estado de São Paulo justamente aos fazendeiros que se beneficiaram de um longo processo fraudulento, a grilagem de terras, em áreas localizadas principalmente na região conhecida como Pontal do Paranapanema.

Por terras públicas devolutas entende-se áreas com ausência completa de destinação anterior, por parte do Estado, a quem quer que seja. Assim, estamos tratando de bens públicos por excelência, que integram o patrimônio do Estado. Terras estas cujos desígnios, por imperativo do artigo 188 da Constituição Federal, devem ser destinadas à ordenação da ocupação rural e urbana, ferramenta cardial para erradicar a pobreza e reduzir desigualdades, objetivos de nossa nação, nos termos do artigo 3º, inciso III da Constituição.

A Lei estadual 17.557/2022, ao contrário do que prevê a Constituição, oficializa a entrega de grandes porções de terras públicas devolutas aos fazendeiros chamados grileiros, em troca de pagamentos simbólicos, equivalentes a 10% do valor da terra nua, ou seja, com até 90% de desconto. Uma legislação que viola princípios orçamentários, permitindo renúncia de receitas do Estado em favor de particulares, sem caracterização de interesse público; que não garante a conservação ambiental das áreas públicas devolutas e que não se integra a uma política agrícola. A Lei estadual 17.557/2022 é uma clara violação ao uso social da terra.

Em 2022, uma vigília cívica pactuou unidade em favor da democracia, em um contexto eleitoral. Agora, em 2023, novamente conclamamos homens e mulheres, do campo, da cidade, das florestas e das águas para uma ação coletiva em defesa das terras públicas estaduais e da reforma agrária.

Sem reforma agrária não há democracia. Sem democracia não há justiça social.

Signatários:

Centro Acadêmico XI de Agosto

ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária

MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

Bancada de deputadas e deputados da Federação PT/PCdoB/PV e do PSOL na Assembleia Legislativa de São Paulo

PT – Partido dos Trabalhadores

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade