Segurança precisa levar em conta política de habitação, aponta estudo

Autora de pesquisa sobre os locais de ocorrência de homicídio e de moradia no Rio de Janeiro, Rute Imanishi, diz que a a população que mais sofre vive em favelas, onde também se concentram as ocorrências. Cenário aponta a necessidade de participação das prefeituras no planejamento de segurança pública

A concentração de ocorrência de homicídios em áreas próximas de favelas no Rio de Janeiro sugere que a política de segurança pública precisa levar mais em conta a habitação e incluir um papel aos municípios. A avaliação é da pesquisadora da Diretoria de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rute Imanishi Rodrigues. A economista é co-autora do estudo Segregação territorial e violência no Município do Rio de Janeiro, ao lado de Patrícia Rivero.

O estudo apontou ainda que as áreas de favela são as de maior concentração de homicídios e que 25% das mortes violentas são provocadas por policiais durante conflitos, os chamados autos de resistência. “Isso reforça a necessidade de planejamento urbano e da segurança, de aproximar os temas”, defende Rute. Para ela, os municípios não têm função definida na política de segurança. Por estarem mais próximas da cidade, as prefeituras deveriam ter uma participação maior no planejamento da ação policial. No caso das cidades com mais de 50 mil habitantes existe a possibilidade de se criar guardas municipais, mas seria necessário ir além.

A pesquisa não se propôs a apontar quais seriam os mecanismos institucionais necessários para haver mais diálogo entre a atuação policial e prefeituras e a política habitacional em geral. “Mas é importante criar mecanismos de diálogo para aproximar a polícia da comunidade, para não ficar muito distante das pessoas, o que pode ser um dos fatores de ela não funcionar direito, além de indicar o motivo por que a população tende a não confiar nem colaborar com a polícia, sobretudo em áreas mais carentes”, sustenta Rute.

Os dados de registros de óbitos por homicídios vêm da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro de 2002 a 2006, totalizando 13,7 mil registros, dos quais 11,2 mil foram georreferenciados de acordo com setores censitários aplicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O trabalho, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), e inclui ainda o videodocumentário “Território e violência”, realizado pelas autoras.

Concentração

Segundo Rute Imanishi, nas zonas norte e oeste, onde há maior concentração de favelas, a maior parte das vítimas foi assassinada em áreas próximas de suas casas. Em bairros como o centro e outros da zona sul, há maior mobilidade das vítimas. “Um tenente-coronel da Polícia Militar entrevistado no documentário confirmou que esse é um fato conhecido pelos policiais”, conta. O motivo provável é que, por as pessoas serem pobres, têm mais dificuldades de deslocamento pela cidade.

Em São Paulo, pesquisa de Marcelo Nery, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), publicada em 2008 aponta uma quase coincidência entre as áreas de concentração de homicídios dolosos com o local de residência das vítimas, sempre em áreas periféricas da cidade.

A diferença nos dados tem relação com as diferenças de organização geográfica e segregação entre as duas cidades. Enquanto a capital paulista apresenta as áreas de concentração em menor número estão na periferia, no Rio elas são mais espalhadas e misturadas, como a ocorrência de favelas.

Violência policial

Rute qualificou como alarmante o percentual de homicídios com envolvimento da polícia. “E não foi apenas no ano passado, desde 2002 o número é extremamente elevado, de 20% a 25% do total”, lembra. Sem entrar em questões relacionadas às diretrizes do governo, a pesquisadora aponta a inexistência de instituições de controle da violência policial no Rio de Janeiro como um dos possíveis motivos para a situação reiterada.

Enquanto a ouvidoria não tem autonomia suficiente, já que o ouvidor é indicado pela Secretaria de Segurança Pública e não há dotação orçamentária para o órgão, apenas o Ministério Público consegue se mobilizar para o tema. Não foram construídas formas para a intervenção da sociedade civil e a Secretaria estadual da área tem se envolvido, segundo a pesquisadora, apenas em casos mais dramáticos.

Os principais dados do estudo estão na página do Ipea.