Pesquisas mostram alta letalidade das polícias de SP e RJ

Para conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, execuções promovidas por policiais são sinais de problemas no comando e de criminalização dos pobres

Duas pesquisas divulgadas recentemente no Rio de Janeiro e em São Paulo mostram a letalidade das polícias dos dois estados. As chamadas execuções sumárias, em que o policial julga e executa a pena, fizeram dezenas de milhares de vítimas nos últimos anos.

O estado de São Paulo já tem em 2009 ao menos 272 civis mortos por policiais. No geral, organizações de defesa dos direitos humanos atribuem a ação à chamada “resistência seguida de morte”, ou seja, à suposta tentativa de fuga da pessoa – há ainda o policial que atua em “bicos” ilegais, balas perdidas e desaparecimento entre as explicações mais comuns. A situação é agravada porque, na maior parte das vezes, a cena do crime não é preservada e não há testemunhas.

Rildo Marques de Oliveira, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) – uma das entidades organizadores dos estudos, acusa que, quando há testemunhas, o depoimento delas é absolutamente ignorado nas investigações e são muitos os casos que acabam arquivados mesmo com relatos mostrando que um crime foi cometido.

O levantamento feito por várias entidades, incluindo o MNDH, mostra que 80% dos mortos em supostos confrontos com policiais estavam desarmados e 90% não tinham qualquer condenação por infrações à lei. A proporção de civis mortos para policiais mortos tem se mantido em torno de 19 nos últimos anos, ou seja, para cada policial morto morrem 19 civis – o número já é considerado inaceitável quando chega a dez para um.

“Mais uma vez, podemos observar que a polícia de São Paulo age de maneira desproporcional à ameaça representada, colocando não apenas a vida de civis em risco, mas também a vida dos agentes policiais”, assinala o documento. Vale lembrar que os números do levantamento levam em conta os casos que chegam à Ouvidoria da Polícia de São Paulo, ou seja, a situação real pode ser pior.

No Rio de Janeiro, o quadro oficial é de 10 mil civis mortos em onze anos, média de 2,4 por dia. Uma pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) assinala que, desde que se estabeleceu a premiação a policiais por ato de bravura, durante a gestão Marcello Alencar (PSDB), a situação só fez piorar. O índice de letalidade é de 3,5 mortos por ferido, sendo que o considerado normal é de dez feridos para cada morto.

No atual governo de Sérgio Cabral (PMDB) tem sido notado um agravamento da situação, com 1.330 mortes apenas em 2007, e taxa de 8,2 mortos para cada cem mil habitantes.

A gestão paulista de José Serra (PSDB) tampouco é tida como referência quando o tema é segurança pública. As entidades de defesa dos direitos humanos reclamam que há quatro anos tentam, sem sucesso, conversar com o atual governador a respeito do que fazer para reduzir o número de mortos em ações policiais.

Para Rildo Marques de Oliveira, o governador tem responsabilidade nas execuções que vêm ocorrendo. Um dos fatores para isso é não enviar uma mensagem clara aos subordinados de que o abuso de força não será tolerado. “Ou será que está aliado com a proposta de que bandido bom é bandido morto? Se está governando para uma parte da sociedade, aí é a favor da execução sumária como forma de fazer pobre não incomodar”, afirma.

O conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos aponta que a polícia de São Paulo tem boa estrutura, não se justificando as execuções, e que age de maneira diferente de acordo com a região na qual atua: em bairros de classe alta, trabalha com tranquilidade, ao passo que usa de violência nas regiões mais carentes.

Para ele, a melhoria passa pela implantação do policiamento comunitário e pela descentralização da gestão de segurança pública, com a participação da sociedade no estabelecimento da política para o setor. Outra mudança é a apresentação de uma nova mentalidade ao comando da Polícia Militar, destacando que não deve haver preconceito contra a população da periferia e que o combate deve se dar, sempre que possível, sem letalidade.

Com base no levantamento em São Paulo, as entidades de defesa dos direitos humanos propõem que o termo “resistência seguida de morte” seja proibido nos boletins de ocorrência, com instauração de inquérito para apurar os casos e acompanhamento pelo Ministério Público. Outras propostas são que a Polícia Técnico Científica, responsável por perícias, possa atuar no local do crime sem necessidade de ser chamada, e que os crimes contra direitos humanos sejam transferidos para a esfera federal.