pec 171

Internos criticam proposta de redução da maioridade e pedem mais educação

Relator defende redução para 16 anos em todo tipo de crime

Marcos Santos/USP Imagens

Para interno, o Estado deveria investir em escolas integrais e cursos, sobretudo nos bairros mais pobres

Brasília – Jovens que cumprem medida socioeducativa na Unidade de Internação de Saída Sistemática (Uniss) do Recanto das Emas, a 25 quilômetros do centro de Brasília, estão apreensivos quanto a mudanças na legislação e a possível redução da maioridade penal – de 18 para 16 anos.

Esses jovens não acreditam que a alteração da idade reduzirá a violência ou a participação de menores nos crimes. A proposta está em debate em uma comissão especial no Congresso Nacional. O relatório do deputado Laerte Bessa que prevê a redução da maioridade penal para qualquer tipo de crime deve ser apresentado hoje.

“Acho que a redução vai piorar. Não é querendo defender não, mas piora. Se baixar para 16 anos, vão começar a entrar no crime mais cedo ainda. E sempre vai chegar gente nova. Vai morrendo um, vai chegar outro. Um vai preso e aí tem outro”, disse Matheus (nome fictício), 18 anos. A opinião do jovem vai ao encontro das opiniões de outros adolescentes que cumprem medida socioeducativa no local.

“Muitos entram no crime com 12, 14 anos. Se abaixar para 16 anos, os presídios ficarão mais cheios e as pessoas vão entrar para o crime muito mais cedo. Não vai adiantar nada”, disse Eduardo (nome fictício), 18.

Daniel (nome fictício), 17 anos, também concorda com a ineficácia da medida. “Com a maioridade aos 18 anos (os aliciadores) já pegam menino de 15, de 13 anos (para cometer crimes). Se reduzir, vão pegar meninos de 10, 9 anos.”

Para Marilúcia Cardoso, da Associação dos Familiares de Adolescentes Infratores, a possível aprovação do projeto vai agravar a situação da segurança pública.

“A tendência é piorar. O que vamos encontrar, se isso for aprovado, são meninos cada vez mais novos com droga, com arma. Porque o tráfico vai corromper muito mais cedo”, destacou Marilúcia cujo filho cumpriu medida socioeducativa após envolvimento com uma torcida organizada.

“O que precisamos é fazer com que esses meninos tenham profissionalização e atendimento psicológico, para que eles saiam sem reincidir e passar para a penitenciária”, disse Marilúcia.

Segundo ela, o Poder Público precisa interferir de outra maneira para reduzir a violência e a criminalidade. “A maioria desses meninos não têm pai. E com mãe trabalhando, sem uma escola integral, os meninos vão sendo cooptados pelo narcotráfico, isso é uma coisa muito comum. É um ciclo muito grande para se quebrar.”

Mãe de uma adolescente que cumpre medida socioeducativa, a comerciante Suzana Batista também discorda da proposta em discussão no Congresso. “Reduzir a maioridade penal não resolve. Sugiro algum trabalho, curso, para ocupar a mente do adolescente. O governo tem que incentivar o jovem a arrumar um trabalho”, destacou.

Já a aposentada Maria de Lourdes, cuja filha foi obrigada a prestar serviços à comunidade após um assalto, tem outra opinião. Para ela, a redução da maioridade penal serviria para acabar com o sentimento de impunidade dos jovens. “Conversando com a minha filha, ela me disse que conhece garotos de 12 anos que andam armados”, disse.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê seis medidas socioeducativas que podem ser aplicadas a adolescentes a partir dos 12 anos: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. A medida é aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Para o jovem Daniel (nome fictício), que cumpre medida socioeducativa na unidade do Recanto das Emas, o Estado deveria investir em escolas integrais e cursos, sobretudo nos bairros mais pobres, para manter os jovens ocupados e longe das ruas. “Precisa ter mais oportunidade para quem está na periferia, na favela. Cursos, estágios, uma escola integral, alguma coisa assim. Ajudar a família também. Muitas vezes a família não tem condição. Por isso tem muita gente que entra no crime.”

Relator defende redução para 16 anos para qualquer crime

O relator da proposta de redução da maioridade penal, deputado Laerte Bessa (PR-DF), defende que a maioridade penal deve ser reduzida de 18 anos para 16 anos, qualquer que seja o ato infracional praticado pelo adolescente. A mudança consta do relatório que o parlamentar deve apresentar à comissão, na tarde de hoje (10).

A expectativa inicial era de que o colegiado votasse ainda esta tarde o documento em que Bessa analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93. Se o relatório for aprovado, a PEC segue para votação no plenário da Câmara. Contrário ao texto de Bessa, o PT já adiantou que pretende pedir vista ao relatório, adiando a votação.

Na avaliação do deputado, a redução da maioridade penal para 16 anos não extingue ou fere nenhum direito fundamental das crianças e dos adolescentes, tampouco os princípios constitucionais.

“Consideramos que a fixação da maioridade penal em 16 anos é um marco razoável. Não se pode mais permitir que indivíduos de 16 ou de 17 anos de idade, possuidores de plena capacidade de entendimento, tenham salvo conduto para prática de toda a sorte de barbáries”, sustenta Bessa na cópia do relatório a que a Agência Brasil teve acesso. O deputado também propõe que, junto com as próximas eleições, seja feito um referendo popular para consultar a opinião da população sobre o tema.

Em outro trecho do documento, o parlamentar admite que diminuir a maioridade penal dos atuais 18 para 16 anos não vai resolver o problema da criminalidade no Brasil, mas que, “quando a família e o Estado falham em prestar os cuidados básicos de saúde, assistência social e educação” e em proteger o jovem da influência das drogas, oferecendo-lhe oportunidades de lazer, cultura, esportes e educação, “é dever do Poder Público aplicar políticas públicas necessárias à manutenção da ordem”.

“Óbvio que não pretendemos com a redução da maioridade penal resolver o problema da criminalidade”, afirma Bessa. “Não queremos negar que a solução para o grave problema passa principalmente pela ampliação e efetividade dos programas sociais educacionais, culturais e de pleno emprego (…) Não obstante, esta Casa não pode ficar inerte ao legítimo clamor da sociedade brasileira, que exige a justa punição dos adolescentes que praticam crimes graves e restam impunes”, aponta o deputado.

O parlamentar lembra que, no Brasil, os jovens já são responsabilizados criminalmente a partir dos 12 anos, idade a partir da qual podem cumprir medidas socioeducativa como a internação, cumprida em estabelecimentos com propósito pedagógico e ressocializador. Pela proposta de Bessa, o jovem em conflito com a lei deixará de ser julgado pela chamada Justiça Juvenil, especializada, e passará a responder à justiça comum, como qualquer adulto. Bessa defende, entretanto, a manutenção da separação entre jovens e adultos em unidades de privação de liberdade.

“Claro que a redução da maioridade penal não colocará na prisão os adolescentes de 16 ou 17 anos que praticarem crimes menores, o chamado ‘ladrãozinho de galinha’. As leis penais que já impõem o encarceramento apenas para os crimes de maior lesividade social serão aplicadas em sua integralidade aos adolescentes, que somente serão presos – separadamente dos adultos –, nos casos de cometimento de crimes graves”, pontua o parlamentar, para quem as penalidades previstas no ECA são “excessivamente brandas”.

“É imprescindível o ajustamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de estancar a crescente criminalidade infanto-juvenil presente nem nossa sociedade.”

Mais cedo, o líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado, adiantou que o partido vai pedir vista ao relatório para tentar ganhar mais tempo e aprofundar o debate. Sibá não descarta a possibilidade de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171 ser votada ainda este semestre, mas considera importante que os deputados estejam seguros quanto ao tema antes de votar.

“Isso não é um jogo de pôquer. Estamos tratando de vidas. Em primeiro lugar, temos que olhar: botar na cadeia resolve o quê? Não é só quantas cadeias novas teremos que construir. Mesmo em se tratando apenas de crimes hediondos temos nuances. Não dá para colocar tudo na mesma sacola”, disse o deputado.

Sibá reconhece avanços na proposta do PSDB, que defende a redução da maioridade penal para os 16 anos apenas em casos de crimes graves. “Acho que estamos avançando para um texto mais representativo. Um meio-termo entre o que temos que avançar [em uma possível reformulação do] ECA e o que a PEC propõe.”