Comunicação pública

Governo quer contratar consultoria privada para saber como a pública EBC pode ser mais ‘eficiente’

Em audiência pública, governo federal diz não ter resposta sobre o que fazer com empresa, mas não descarta extinção. Ex-presidenta disse que EBC surgiu para tornar sistema de radiodifusão mais democrático

Arquivo Agência Brasil
Arquivo Agência Brasil
Criada em 2008, a EBC inclui emissoras de rádio, TV e a Agência Brasil

São Paulo – O governo incluiu a Empresa Brasil de Comunicação no Programa Nacional de Desestatização (PND), mas não sabe ainda o que fazer com a EBC. Para isso, pretende contratar uma consultoria, via BNDES, e obter assim um “diagnóstico” mais preciso. Foi o que informaram os representantes do governo durante audiência realizada na tarde desta segunda-feira (28) pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.

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Autora do requerimento da audiência com outros colegas, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) afirmou que existem recursos para manter a EBC e que a privatização seria um “crime” contra a população. Durante a sessão, representantes dos funcionários relataram denúncias de assédio e certo controle do noticiário.

Outro modelo?

Assim como havia ocorrido com a Eletrobras, a EBC inicialmente foi incluída no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), até passar para o PND, por meio do Decreto 10.669, de 8 de abril. Segundo o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Vitor Menezes, a intenção é descobrir como tornar a empresa de comunicação “mais sustentável, mais econômica, mais eficiente”. Ele disse conhecer a realidade externa, em que os países mantêm essas empresas com recursos públicos, mas acha que o modelo pode ser diferente no Brasil.

“Nós não temos a resposta para isso”, disse o secretário, justificando a contratação de uma consultoria, custeada pelo BNDES, para “ver as opções” possíveis. Inclusive a extinção, pura e simples, da empresa, como admitiu a titular da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia (Seppi), Martha Seillier.

Privatização “completa” da EBC

A superintendente de Desestatização do BNDES, Lidiane Delesderrier Gonçalves, reforçou que todas as opções são consideradas: “privatização completa” da EBC, venda de imóveis, melhoria da gestão. O processo, segundo ela, está em fase de “construção teórica”, sem previsão de cronograma. Ainda no bloco governista, o diretor-geral da EBC, Roni Baksys Pinto, mostrou-se “alinhado” aos palestrantes que o antecederam.

De acordo com o diretor, a EBC tem hoje 14 rádios e 15 afiliadas. A Agência Brasil, site noticioso pertencente ao grupo, teve 95 milhões de usuários únicos em 2020. Já a TV Brasil recebeu 134 milhões de visualizações no YouTube no ano passado. É a nona emissora mais vista no país.

Demanda social

Ex-presidenta da EBC, a jornalista Tereza Cruvinel lembrou que a empresa surgiu após intenso debate parlamentar e na sociedade. A lei que a criou (11.652, de 2008) surgiu de uma Medida Provisória (MP 398) feita com base no artigo 223 da Constituição, que fala em “complementaridade” entre os sistemas privado, público e estatal. “Os constituintes assim escreveram porque se debruçaram sobre uma grande deformidade, uma grande lacuna”, afirmou, referindo-se à existência de um sistema “quase que exclusivamente privado, diferente da maioria dos países democráticos”.

Assim, deveria existir uma emissora sem controle do governo, mas também sem se submeter à lógica do mercado. “O nosso artigo 223 teve preocupação com uma pluralidade dos meios (de comunicação)”, afirmou Tereza Cruvinel. “A EBC surge para tornar mais democrático o nosso sistema de radiodifusão.”

Dessa forma, acrescentou, a EBC não pode ser mudada por decreto ou por “decisão tecnocrática”, como proposta, devido à sua origem legal. Não ouvir o Congresso, por exemplo, seria uma ofensa à lei, à Constituição e ao próprio parlamento. “Se a EBC acabar, for vendida, for fechada, extinta, continuará existindo um artigo não atendido na Constituição. Então, seu valor é intangível”, sustentou a ex-presidenta.

“Desertos de notícias”

Pela comissão de empregados, Pedro Cardoso apontou riscos à sociedade e à democracia. Destacou o caráter de “integração nacional” dos veículos da empresa, que costumam chegar nos chamados “desertos de notícias”. Segundo dados levados à audiência pública, 62% dos municípios não têm veículos próprios. O risco, acrescentou, é de “apagão informativo”.

Diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e funcionário da EBC, Márcio Garoni afirmou que a empresa não foi criada para dar lucro. “Nesse processo de concentração midiática, a gente imagina a quem interesse esse processo de desmonte”, criticou, lembrando ainda que a empresa passou nos últimos anos por dois programas de demissões voluntárias, sobrecarregando quem permaneceu. Boa parte dos recursos que mantêm a EBC vem da Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), criada pela lei de 2008.

Veículo de democracia

O professor Octavio Penna Pieranti, do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (PPGMiT/Faac/Unesp), destacou estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontando autonomia financeira e editorial das emissoras públicas. Ele reforçou que isso existe em todas as grandes democracias no mundo. E acrescentou, comparando recursos próprios e população, que a empresa brasileira é a que dispõe de menor orçamento por habitante.

No final, a pesquisadora Mariana Martins, do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (LaPCom/UnB), destacou as origens da EBC, ainda na Constituinte. “Não haveria saída (da ditadura) que não apontasse para uma comunicação mais plural, mais diversa.” Mas, ainda assim, esse processo levou 20 anos para ser concretizado – e agora vem sendo descaracterizado. “O ativo da comunicação pública é a autonomia”, definiu sobre a privatização da EBC.