Resistência

Presidenta do Consea prevê dois anos para Brasil sair do Mapa da Fome

Destituída do cargo após extinção do conselho por Bolsonaro, Elisabetta Recine será reempossada nesta terça e destaca compromisso para a “transformação começar”

CC.0 Wikimedia
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País soma atualmente o dobro da população em situação de fome estimado em 2020

São Paulo – O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) volta a funcionar, nesta terça-feira (28), com os mesmos integrantes que o compunham quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) o extinguiu, em 2019. A reinserção do órgão, um dos responsáveis pela saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU, em 2014, será decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia, hoje, às 11h, em Brasília. No ato, serão reconduzidos todos os 40 representantes da sociedade civil, incluindo a presidenta da Consea, Elisabetta Recine. 

Nutricionista, professora da Universidade de Brasília (UnB), pesquisadora e integrante do Painel de Especialistas de Alto Nível do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da ONU, Elisabetta estava no cargo desde 2017. Em meio à preparação para a posse, ela concedeu entrevista à jornalista Marilu Cabañas, na edição desta terça do Jornal Brasil Atual, e destacou os desafios que cercam esse novo mandato. Sem o Consea, o Brasil voltou a amargar um lugar de destaque no Mapa da Fome. E viu, no último ano, o número de famintos avançar para 33 milhões de pessoas. 

Sandra Sedini/IEA-USP
Elisabetta Recine é integrante do Painel de Especialistas de Alto Nível do Comitê de Segurança Alimentar Mundial da ONU (Foto: Sandra Sedini/IEA-USP)

Hoje, mais da metade da população está em situação de insegurança alimentar, como mostram dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil. Em razão das dificuldades, a pergunta sobre o prazo para o país deixar o relatório da ONU ainda é difícil de responder, conforme aponta a presidenta da Consea. Ainda assim, a partir do compromisso do governo federal com o combate à fome e o empenho da sociedade civil, Elisabetta também acredita que em até dois anos o país já sentirá as transformações. 

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“Olhando o que começa a ser movimentado, como o anúncio de nova operacionalização do programa Bolsa Família, o aumento do per capita da alimentação escolar, tudo o que o Ministério do Desenvolvimento Agrário está se organizando para relançar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o financiamento da agricultura familiar, o apoio técnico, eu imagino que a gente comece a sentir os resultados disso a partir de um ano mais ou menos. E com a organização do orçamento público e também com o controle da inflação sobre os alimentos e valorização do salário mínimo, talvez em dois anos a gente consiga perceber que realmente nós conseguimos mudar, que realmente a transformação está se processando”, explica a presidenta do Consea. 

De acordo com ela, as mudanças também dependerão de uma “série de fatores” não só nacionais, como internacionais. “Mas um compromisso declarado de colocar em movimento políticas públicas articuladas, vai fazer a gente sentir que a transformação está começando”, ressalta. 

Consea e o combate à fome

Nesse sentido, o Consea terá papel de destaque, conforme acrescenta. Criado em 1993, o órgão passou seu período de maior atividade, entre 2003 a 2015, como espaço fundamental de interlocução entre governo e sociedade civil. O conselho articulava não apenas políticas públicas de combate à fome, mas também de ampliação de acesso a alimentos saudáveis, produzidos de maneira sustentável pela agricultura familiar. 

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Quatro anos depois de sua extinção, Elisabetta ainda se lembra da mobilização que a sociedade civil nacional e internacional teve contra a medida provisória, um dos primeiros atos oficiais de Bolsonaro. De lá para cá, diferentes grupos da sociedade continuaram organizados diante da “ineficiência e da lerdeza das ações do governo”. “Foi a sociedade civil que fez com que a tragédia que nós vivemos (nos primeiros anos da pandemia de covid-19) não tivesse sido ainda pior”, lembra Elisabetta. 

O período fez com que a sociedade civil organizada se fortalecesse, se mostrando muito mais “resistente e resiliente”, descreve ela. O que vai contribuir nessa nova etapa de reconstrução do Consea. 

“O Consea ao longo de sua história sempre atuou nessa direção e nós conseguimos resultados muito importantes. A saída do Brasil do Mapa da Fome é resultado de uma articulação de políticas públicas tanto específicas, a ampliação da produção da agricultura familiar, o Programa de Aquisição de Alimentos, o programa um milhão de cisternas, mas também medidas que geraram um desenvolvimento mais amplo, como, por exemplo, a valorização do salário mínimo, o aumento do empregos e no acesso à educação. Enfim, combater a fome é emergência, mas também (demanda) mudanças estruturais.”

Confira a entrevista completa: