‘Precisamos abrir os arquivos da Polícia Federal’, propõe ativista gaúcho

Jair Krischke falou à RBA sobre recente estudo da Comissão da Verdade; garante que há muitos documentos sobre a ditadura esperando serem encontrados

Presidente do MJDH em Porto Alegre, Krischke afirma que militante comunista morreu devido a ação de informante no Uruguai (Foto: Reprodução/EBC)

São Paulo – O presidente do Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, conversou com a RBA sobre um estudo divulgado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) que confirma o desaparecimento de um militante comunista pelas mãos de agentes da Força Aérea Brasileira (FAB) durante a ditadura. Edmur Péricles Camargo, conhecido como Gauchão, foi preso em Buenos Aires em junho de 1971 após articulação dos aparelhos repressivos do Brasil e Argentina. Está desaparecido desde então.

De acordo com Krischke, que conhecia Gauchão, o estudo da CNV está baseado em documentos que entregou à Comissão no dia 26 de novembro, quando prestou um depoimento ao grupo. “O assunto básico da audiência era a Operação Condor. Levei uma série de documentos”, relata. “Até pedi que a audiência fosse pública para exibir toda documentação que temos sobre o tema. Documentei a primeira operação condor e a segunda, que é a que acabou com o desaparecimento do Edmur Péricles Camargo.”

Na entrevista abaixo, o presidente do MJDH conta alguns episódios da história de Gauchão e aponta, com nome e sobrenome, quem teria sido o informante – infiltrado entre exilados brasileiros no Uruguai – que delatou o militante comunista às forças de repressão. Krischke também afirma que há muitos documentos sobre a ditadura disponíveis nos arquivos públicos brasileiros esperando quem os encontre. E propõe: “temos que pedir a abertura dos arquivos da Polícia Federal, que foi um braço da repressão.”

Isso significa que a Operação Condor existia antes mesmo de ser oficialmente criada, em 1975, no Chile?

A criação da Operação Condor ficou com essa data e lugar porque um jornalista americano escreveu um livro sobre o assunto, dizendo que começou ali. Mas vamos examinar. Em novembro de 1975, o Brasil mandou dois representantes para essa reunião em Santiago que se declararam apenas observadores e não assinaram a ata. Mas o Brasil foi o criador da Operação Condor, tenha o nome que tiver. Aqui se chamava Plano de Busca no Exterior.

Mas a prática é a mesma: retirar uma pessoa de outro país sem as formalidades legais. Era uma operação clandestina entre os aparelhos repressivos dos Estados do Cone Sul. O país não quis assinar a ata em 1975 porque, no contexto brasileiro, todos os grupos armados de resistência à ditadura já haviam sido eliminados – até a guerrilha do Araguaia. E o Brasil sempre preferiu agir de maneira bilateral com cada vizinho. Não ter assinado a ata não significa que a Operação Condor não continuou operando por aqui: temos casos documentados até 1980, no aeroporto do Galeão.

Como você recebe a notícia de que a CNV levou adiante os documentos que apresentou em audiência pública?

Fico feliz que tenha sido feito uso dos documentos. É isso que tem de acontecer. No meu depoimento, também chamei a atenção… No Brasil se plantou a cultura de que os arquivos estão fechados. Eu digo que não: há muito documento disponível a ser pesquisado no Arquivo Público de São Paulo e no Arquivo Nacional, por exemplo. Foi lá que obtive esses documentos. Estão disponíveis. Precisamos de pessoas que saibam lê-los e que investiguem os arquivos. É preciso abrir os arquivos militares também, claro, mas não podemos esquecer dos documentos da Polícia Federal, que foi um braço poderoso da repressão. Ninguém fala disso.

Como os militares chegaram até Edmur?

Há um brasileiro que certamente é o responsável por estas informações, que se infiltrou entre os exilados brasileiros no Uruguai e tinha as informações. Era um informante do Centro de Inteligência da Marinha (Cenimar), Alberto Conrado, está vivo. Era o agente YR62. Essa comunicação registra que Edmur sairia de Santiago num voo da LAN com escala no aeroporto de Ezeiza, onde é retirado do voo.

Quem era Edmur?

Edmur era originalmente do Partido Comunista (PC). Veio pro Rio Grande do Sul como comunista. Trabalhou na Tribuna Gaúcha, jornal comunista. Era jornalista e vendia os jornais aqui no centro de Porto Alegre. Subia em cima de uma caixa de cerveja e anunciava as manchetes. Como ele via que o PC não partia pra resistência à ditadura, saiu do partido e criou um grupo chamado MMMG, iniciais de Marx, Mao, Marighella e Guevara. Era uma organização armada que agia muito na região metropolitana de Porto Alegre. Fazia especialmente expropriação em bancos.

Uma vez foram fazer uma expropriação na Caixa Estadual do Rio Grande do Sul. Quem fazia a vigilância era a polícia militar. Eles entram na agência e naquele momento uma senhora estava fazendo um depósito. E o Edmur diz ao caixa: dê o recibo pra senhora, pois estamos expropriando o banco, não essa senhora. Ao sair, Edmur percebeu que o guarda tinha se urinado e deu um dinheiro pra que fosse até em casa de táxi trocar as calças. Foi preso depois de uma ação desastrosa em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, na agência do Banco do Brasil. Depois seria trocado pelo embaixador suíço.