Mobilidade Urbana

Falta de transparência sobre queixas alivia pressão sobre empresas de ônibus

Prefeituras recebem milhares de reclamações anualmente, mas não as divulgam. Para Idec, transparência nos dados é uma forma de obrigar empresas a melhorar o serviço

cruzeirodosul.inf

Reclamações mais comuns são falta de ônibus e má conservação, responsabilidades diretas das empresas

São Paulo – Em 2013, antes mesmo de milhões de brasileiros saírem às ruas para protestar e reivindicar melhorias em setores como transporte público, algumas das principais capitais do país já haviam recebido milhares de reclamações de usuários sobre atrasos, superlotação e outros problemas que mostram a má qualidade do serviço prestado. Esses dados, porém, permanecem desconhecidos do grande público, o que pode contribuir para a continuidade da baixa qualidade dos serviços.

Para João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), secretarias municipais e órgãos ou empresas públicas que fiscalizam a prestação do serviço de transporte público deveriam divulgar, de forma regular e transparente, a relação das mais frequentes reclamações feitas por usuários e o nome das empresas mais bem e mal avaliadas.

Coordenador de uma pesquisa do Idec sobre o grau de insatisfação dos usuários de ônibus e metrô de São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), Amaral lembra que a estratégia, comum em outros setores, como no transporte aéreo, é uma forma eficiente de obrigar as empresas concessionárias a melhorar a qualidade do serviço que oferecem aos cidadãos.

Na capital paulista, ao longo do ano passado, a SPTrans recebeu um total de 120.058 reclamações. Conforme a assessoria do órgão, como nem toda reclamação pode ser checada ou confirmada posteriormente, o número de sanções ou ações corretivas tende a ser sempre menor. Por isso, a quantidade de punições disciplinares (64.159); de inspeções (1.915) ou de ações (40.182), que podem resultar em ajustes operacionais por parte das empresas, foi inferior ao total de queixas apresentadas por meio do telefone 156 ou do site da SPTrans.

De acordo com um levantamento solicitado pela reportagem na semana passada, a maior causa de insatisfação entre os usuários que procuraram a SPTrans é o tempo de espera por ônibus de determinadas linhas, o que motivou 39.765 reclamações em 2013. Em seguida, vêm casos em que os motoristas não atenderam ao pedido de embarque e desembarque de passageiros (24.243); motoristas que dirigem de forma perigosa (12.577) ou que cometeram algum outro tipo de conduta inadequada (11.116). O atraso ou cancelamento de viagens motivou 5.966 reclamações. Três dos quatro itens que se seguem também refletem a conduta de motoristas e cobradores: destratar usuário (4.504); não esperar até que o passageiro tenha embarcado ou desembarcado (3.351); superlotação (3.133) e interromper ou atrasar a viagem propositalmente (2.272).

Garantindo que todas as queixas são analisadas e respondidas, a SPTrans informou que o número de registros no ano passado foi 15% menor que o de 2012. O órgão também está adotando novas medidas para melhorar o serviço e reduzir as ocorrências, mas sua assessoria ponderou que, se comparado com o total de passageiros transportados todos os dias, as mais de 120 mil reclamações registradas ao longo de um ano, percentualmente, não são um número tão alto.

Em toda a região metropolitana de São Paulo são registradas, em média, 6 milhões de viagens por dia útil. Para melhorar o serviço, a prefeitura garante estar implementando um programa de gestão operacional, com o qual pretende aperfeiçoar os mecanismos de apuração das causas das reclamações, fiscalizar se as empresas estão cumprindo os procedimentos operacionais exigidos e solucionar as falhas.

Outras capitais

No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Transportes informou que, a partir das reclamações recebidas por meio do telefone 1746, da Central de Atendimento ao Cidadão, realizou operações de fiscalização que resultaram em 2.850 ônibus vistoriados, dos quais 468 foram lacrados e 324 tirados de circulação. Os veículos lacrados podem circular, mas sem passageiros, e o lacre só é retirado quando o problema identificado pelos fiscais é resolvido.

As reclamações mais comuns dos usuários cariocas são a falta de ônibus, a má conservação da frota, a falta de vistorias e o excesso de passageiros. A secretaria informou que uma medida para tentar melhorar o serviço foi a oferta de cursos de capacitação, por meio do Programa de Monitoramento e Controle de Conduta dos Motoristas de Ônibus, que visa não só a melhorar a interação do profissional com os passageiros, mas também a redução dos acidentes de trânsito. De acordo com a secretaria, 8,5 mil dos 18 mil motoristas que atuam no sistema de transporte público já receberam treinamento.

No Distrito Federal, onde o governo, ao longo do ano, assumiu o controle e a operação de várias empresas de ônibus sob a justificativa de garantir o interesse da população que reclamava dos maus serviços prestados pelas companhias, a ouvidoria do DFTrans informou ter recebido 16.013 reclamações em 2013. As principais queixas foram sobre descumprimento de horários (3.267); má conduta de motoristas (2.817); atrasos (1.950); falta de ônibus (1.491) e desvio de itinerário (747).

A assessoria do DFTrans informou que 37% das reclamações feitas ainda estão sendo processadas; 36% foram encerradas por ou já terem sido resolvidas ou julgadas improcedentes; 22% estão em vias de ser resolvidas. A situação dos 5% restantes não foi detalhada. A partir dos casos já resolvidos, só no segundo semestre de 2013, foram aplicados 598 autos de infração devido a falta ou defeito de assentos/encostos nos bancos; 557 autos de infração por outros defeitos que causem desconforto aos passageiros e 362 por falta de higiene.

O DFTrans incentiva a população a denunciar as irregularidades por meio do telefone 162, procurando repassar o máximo de informações possíveis, como o número do veículo, o nome da empresa, horário e local aproximado da ocorrência e, se possível, nome dos motoristas ou cobradores.

Já a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), de Goiânia, informou ter aplicado 8.438 multas à companhias de ônibus. Boa parte delas teve origem nas 4.202 queixas feitas por usuários. Do total de reclamações, 1.314 foram relativas a descumprimento de horários; 1.071 por falta de informações a respeito da programação das linhas de ônibus e 884 devido a má conduta de motoristas. A CMTC garante ter reforçado as ações de fiscalização na Grande Goiânia e pediu que os cidadãos denunciem as irregularidades pelo telefone 0800-646-1851.

Transparência

“Muitas prefeituras não têm esses dados tabulados, não os divulgam e não dão respostas aos usuários que se queixam. Isso pode significar que os órgãos responsáveis podem não estar usando essas informações, que devem ser consideradas de forma mais eficiente, como um termômetro da qualidade do serviço prestado”, acrescentou Amaral, defendendo, contudo, que os usuários não deixem de registrar suas queixas sempre que o serviço deixar a desejar.

“O primeiro ponto é o usuário conhecer seus direitos. O transporte público é um serviço sujeito ao Código de Defesa do Consumidor e aos regulamentos locais específicos. Caso seu direito seja lesado, o usuário deve buscar o órgão local responsável por fiscalizar o serviço de transporte público e registrar a queixa, pedindo o ressarcimento da passagem. Se isso for negado, ele deve formalizar a reclamação no site ou telefone do órgão e, se nada for resolvido, recorrer ao Procon ou aos juizados de pequenas causas. Tudo isso é uma forma muito importante de pressão”, comentou o pesquisador.

*Com informações da Agência Brasil