Embate histórico

Parlamentares do Rio Grande do Sul tentam mudar trecho racista do hino estadual, sob resistência de conservadores

Enquanto parlamentares ligados ao movimento negro convocam audiência para discutir o tema, filho de Onyx Lorenzoni tenta blindar o hino

Carga de cavalaria Farroupilha/Guilherme Litran
Carga de cavalaria Farroupilha/Guilherme Litran
"Queremos afirmar que não somos contra o hino, mas precisamos rever símbolos que nos massacrem"

São Paulo – A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul debate nesta segunda-feira (3) o teor racista de um trecho do hino do estado. Escrito em um contexto de escravatura, a letra afirma que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. O fato é que não faltou virtude para aqueles submetidos à escravidão. Ao contrário. Então, integrantes progressistas do parlamento querem alterar o teor do hino. Por outro lado, deputados de direita e extrema direita tentam dificultar o processo.

As discussões na Assembleia começam com uma audiência pública convocada por deputados ligados ao movimento negro. Bruna Rodrigues (PCdoB), Matheus Gomes (Psol) e Laura Sito (PT) argumentam que a alteração da letra seria “uma demanda histórica”. Por outro lado, amanhã a Casa pode votar um projeto de emenda à Constituição (PEC) de autoria de Rodrigo Lorenzoni (PL), bolsonarista e filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni. O PEC tenta dificultar a mudança ao consolidar na Constituição do estado o hino, a bandeira e o brasão como símbolos oficiais.

Caso aprovado, o projeto torna os símbolos “protegidos e imutáveis em sua integralidade”. Lorenzoni afirma que “PEC pretende aumentar o grau de proteção desses símbolos, mas se em algum momento a sociedade tiver interesse em alterar, basta se propor outro PEC (…) Há muito tempo, há um grupo minoritário da extrema-esquerda, que, na nossa opinião, tem um movimento democrático, mas desprovido de realidade histórica”.

O hino e a história

A deputada Bruna Rodrigues lembra que o contexto histórico do hino remete a traições e injustiças contra o povo negro. “Queremos afirmar que não somos contra o hino, mas precisamos rever símbolos que nos massacrem. Quando falamos de ‘escravos’, sabemos qual povo era escravizado na época”, disse. Ela fez referência ao Massacre de Porongos (1844). À época, escravos lutaram ao lado das forças farroupilhas contra o Império. Contudo, foram traídos por um general e mortos pelas forças da Coroa.

Estes negros que lutaram ao lado da Revolução Farroupilha na Guerra dos Farrapos (1835 a 1845) ficaram conhecidos como Lanceiros Negros. Os generais riograndenses não lutavam diretamente contra a escravidão, mas sim contra impostos cobrados pela Coroa. Após ficar evidente que não haveria como vencer a revolta contra o Império, os gaúchos não hesitaram em negociar com a monarquia, largando mão daqueles que os apoiaram.

Então, os parlamentares do movimento negro questionam o racismo do contexto. “Houve libertação? Os guerreiros estancieiros não queriam acabar como negros, como escravos. Queriam a virtude de vencer a guerra. Pois quem era escravo não tinha virtude. E a luta deles, tão glorificada, coexistiu com a condição do negro na época. Eles tinham escravos, eles não podiam ser escravos. Afinal, tinham virtude.”


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