Direitos humanos

Normalmente acuados, bolivianos de São Paulo vão às ruas após assassinato

Más condições de vida vêm à tona e explodem em insatisfação de imigrantes após morte de garoto de 5 anos em oficina de costura

Gerardo Lazzari. Arquivo RBA

Os baixos salários pagos nas oficinas são um dos problemas enfrentados pelos imigrantes

São Paulo – Normalmente acuada por ameaças feitas aos imigrantes ilegais, a comunidade boliviana de São Paulo foi às ruas da cidade depois do assassinato do garoto Brayan Yanarico Capcha, de 5 anos, morto na sexta-feira passada (28) na oficina de costura em que trabalhava a família, em São Mateus, zona leste da capital.

O ato de hoje (1º) reuniu 3 mil pessoas e partiu da Rua Coimbra, no Brás, para a Avenida Paulista, onde fica o Consulado da Bolívia. A marcha foi convocada depois que um pedido de audiência com os representantes diplomáticos do país na cidade não foi atendido. “O consulado não se preocupa conosco. Somos abandonados e queremos justiça. O consulado tem de conversar conosco”, afirmou Obélio Mamani Oliva.

O coordenador de Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo, Paulo Illes, ligado à Secretaria de Direitos Humanos, afirmou que este é um momento que expõe a falta de atenção do poder público aos imigrantes. Iles comandava há poucos meses uma das entidades que atuam na defesa dos estrangeiros que vêm ao Brasil. “É um momento histórico porque nunca a comunidade boliviana de São Paulo tinha se manifestado desta forma, reunindo uma verdadeira multidão de trabalhadores”, disse.

A Polícia Civil anunciou ontem a prisão de um terceiro suspeito de participar do assalto à oficina de costura na qual ocorreu o crime. Os assaltantes cometeram o assassinato porque ficaram irritados com o choro do menino. Quatro pessoas entraram na resistência e renderam os dez moradores, que arrecadaram R$ 4.500, o que não satisfez a quadrilha.

Os pais de Brayan, que era filho único, tinham chegado ao Brasil há poucos meses para trabalhar na indústria informal da confecção têxtil. O Ministério das Relações Exteriores da Bolívia informou que o corpo do menino foi levado hoje ao aeroporto de El Alto, ao lado de La Paz, de onde será transportado até a cidade de Achacachi, no interior.

“Uma coisa que vamos trabalhar a partir da Secretaria de Direitos Humanos é um diálogo com os bancos para tentar flexibilizar a abertura de contas para essas pessoas, que são marginalizadas pelo sistema. Grande parte da violência acontece porque os trabalhadores bolivianos guardam todo o dinheiro que recebem dentro de casa”, afirma Illes.

O crime trouxe à tona a insatisfação dos imigrantes com uma série de questões. “Sofremos muito problema de assalto, maus-tratos na escola e nos hospitais”, contou a costureira Morena Suazo. “Estava mais do que na hora de isso acontecer. Queremos que o cônsul renuncie porque ele não faz nada por nós.”

“Nós sofremos bullying”, acrescentou José Luiz Laura, outro manifestante. “Nossas crianças sofrem bullying na escola. Nossas mulheres são estupradas. E nós temos direitos humanos, que precisam ser respeitados. Pedimos desculpas por causar transtorno na avenida, mas queremos a renúncia do cônsul. Ele não dá atenção para nós e só quer o dinheiro.”

Reportagem da Revista do Brasil publicada em maio de 2012 já mostrava os maus-tratos a que estão submetidos os imigrantes. A exclusão de direitos sociais básicos, assegurados mesmo aos que estejam em condições ilegais, é uma constante. Nas áreas de saúde e educação se dão os maiores problemas, com crescimento no relato de casos de agressão de crianças bolivianas ou filhas de bolivianos por alunos brasileiros.

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