Censura

No Rio, sociólogo sofre sequestro-relâmpago depois de criticar ação da polícia

'Disseram para eu não dar mais nenhuma entrevista e para que eu não falasse mais nada da PM, porque, se eu falasse, seria a última entrevista que eu daria na vida'

Marcelo Sayão/efe

Protestos ocorridos ontem (19) à noite no Leblon, na zona sul do Rio, contra o governo motivaram crítica

São Paulo – O sociólogo e cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía, assegura ter sido vítima de um sequestro-relâmpago perto de sua casa, no Aterro do Flamengo, na manhã de hoje (17), mesmo dia em que o jornal O Globo publicou entrevista em que o professor critica a ação da Polícia Militar do estado nos protestos ocorridos ontem no Leblon, na zona sul da cidade. A notícia foi publicada pelo próprio O Globo. Baía não teve nenhum pertence roubado, mas recebeu um alerta dos homens encapuzados: não falar mais nada sobre a PM.

“Eram dois homens, de touca ninja e óculos escuros. Eles mostraram que estavam armados e me levaram pelo gramado até a pista do Aterro que vai para Botafogo. Parou ali um Nissan preto, de vidro fumê, e me colocaram no carro sentado entre eles. O motorista e um homem ao lado também estavam de capuz. Só conseguia ver as mãos deles”, disse o sociólogo a O Globo.

“O motorista era negro, o homem ao lado dele era branco. E os dois que me pegaram eram mulatos. No carro, me deram o recado e não falaram mais nada. Disseram para eu não dar mais nenhuma entrevista como a de hoje n’O Globo e para que eu não falasse mais nada da PM, porque, se eu falasse, seria a última entrevista que eu daria na vida. Eles deixaram as armas visíveis, mas não apontaram para mim.”

Baía contou ainda que foi deixado pelos criminosos no centro da cidade, em frente à sede da Biblioteca Nacional, e que o veículo não possuía placas. “Quando desci do carro, disseram para mim: ‘O recado está dado’”, continua. “Em casa, procurei imediatamente o Ministério Público e fiz um registro da ocorrência. Vou levar o caso ao procurador-geral de Justiça.”

Na entrevista que teria originado o sequestro-relâmpago, o sociólogo da UFRJ não faz nenhuma crítica contundente à ação da polícia. Diz apenas que, em vez de reprimir todos os manifestantes indiscriminadamente, a PM deveria ter localizado os “vândalos” e agido pontualmente para reprimi-los durante o protesto de ontem. “Infelizmente, no episódio do Leblon, a polícia viu o crime acontecendo e não agiu. O recado da polícia foi o seguinte: ‘Agora eu vou dar porrada em todo mundo.’”

Baía também havia oferecido ao jornal uma interpretação sobre quem são as pessoas que cobrem os rostos durante as manifestações. “A primeira linha é formada por anarquistas, trotskistas, leninistas, partidos de oposição que acreditam na violência como meio de revolução. A outra faixa tem funkeiros, skinheads e Black Bloc, que se tornaram visíveis com as manifestações, além dos punks e das torcidas organizadas. Por último, temos os bandos com vínculos com facções criminosas, como traficantes, milicianos e bandidos comuns”, classificou.

O sociólogo também afirmou a O Globo que visitou algumas capitais durante os protestos – como São Paulo, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte, além do Rio – e verificou que entre os manifestantes, não necessariamente os violentos, também havia bombeiros e policiais militares favoráveis à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 300, que propõe igualar os salários dos militares estaduais de todo o Brasil.