A serviço do capitão

No Brasil de Bolsonaro, só homens debatem sobre mulheres na política

Grupo que já teria recebido repasses de R$ 124 milhões do governo para aproximar “empresariado e escalões elevados” faz evento sobre mulheres sem mulheres, mas com Bolsonaro

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Deputada Maria do Rosário foi uma das muitas vítimas dos ataques de Bolsonaro às mulheres

São Paulo – Para “comemorar” o Dia Internacional da Mulher, nesta terça-feira (8), a entidade denominada Grupo Voto promove esta semana o evento “Ciclo Brasil de Ideias Mulher” cuja proposta é debater a participação das mulheres na política. Porém, chama a atenção que, apesar do tema, não há nenhuma mulher entre os principais convidados. Mais que isso, além de os “debatedores” serem apenas homens, a lista é encabeçada pelo presidente Jair Bolsonaro. Os outros participantes, que será realizado de 9 a 15 de março, são o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), e o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB). A ausência de mulheres para debater sobre sua própria condição causou indignação entre representantes históricas das lutas pelos direitos femininos.

A deputada Jandira Feghali disse à RBA que, quando viu o banner com o anúncio, ficou chocada. “De fato, falar de mulheres só com homens… Mas quando vi Bolsonaro encabeçando o debate entendi que não era pra surpreender que esse debate não teria mulheres”. A parlamentar lembra de falas misóginas, machistas e inclassificáveis de Bolsonaro, como a de que dirigiu à deputada Maria do Rosário (PT-RS). Então deputado, o hoje presidente afirmou que ela não “não mereceria ser estuprada”, por não a considerar bonita o suficiente para despertar nele o impulso pelo ato violento.

“E tantas outras frases no decorrer da vida mostram quem é Bolsonaro e sua relação com as mulheres”, acrescenta Jandira. Para a parlamentar, a presença do ministro da Economia também é sintomática. “As que são representativas das demandas reais das mulheres não estariam num debate com Bolsonaro. Depois (com) o Guedes da reforma da Previdência e trabalhista, que trouxeram prejuízo enorme à vida das mulheres brasileiras”, completou.

Ações de proteção à mulher têm o menor orçamento dos últimos quatro anos

“‘Bolsonaro, Guedes e Arthur Lira vão participar de evento sobre mulheres sem NENHUMA mulher palestrando, só homens! É a cara do bolsonarismo sem noção, machista e atrasado”, postou no Twitter a deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.

Em tuíte anterior, Gleisi já havia se manifestado sobre a “crítica” de Bolsonaro ao deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei. “Bolsonaro criticar fala de Arthur do Val é pura hipocrisia, logo ele que é sexista. É um pior que o outro. Mais uma vez está querendo enganar as mulheres pra tentar conquistar o voto feminino, mas aqui não se cria!”, continuou Gleisi.

“O Brasil de Bolsonaro é o país em que homens debatem ‘mulheres no poder’ sem a presença de mulheres nos espaços de fala”, ironiza a deputada Erika Kokay (PT-DF) no Twitter. “Sabe qual legado de Bolsonaro e Guedes na economia? Inflação, desemprego, retirada de direitos e renda menor para trabalhadores e trabalhadoras!”

“Alto empresariado e escalões elevados”

O Grupo Voto, promotor do evento de debate sobre mulheres sem mulheres, se autodefine em seu website como “o principal hub de interlocução entre o alto empresariado e os mais elevados escalões da política brasileira”. Curiosamente, o grupo já recebeu R$ 124 milhões do governo, de acordo com informações do Portal da Transparência divulgadas pelo jornalista Demétrio Vecchioli, da coluna Olhar Olímpico. A informação está em reportagem da Fórum.

Na página, é possível se informar sobre o projeto “Mulheres que Orgulham o Brasil”. A entidade diz que, “em parceria com o jornal britânico Financial Times”, lança o projeto Mulheres que Orgulham o Brasil. O objetivo é homenagear “dez brasileiras referências em suas áreas, no Brasil e também no exterior”. Na edição 146 da Revista Voto (um segmento da organização), homenageia “as primeiras cinco: Michelle Bolsonaro, Gabriela Mansur, Patrícia Ellen, Paula Paschoal e Karina Kufa”.

Pesquisa: Bolsonaro e ataques a mulheres jornalistas

Segundo estudo divulgado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Bolsonaro está entre os principais autores de ataques a mulheres jornalistas em 2021. Os dados sobre os ataques com viés de gênero e casos que vitimaram mulheres jornalistas no Brasil no ano passado estão neste link. Ao todo, foram 119 ocorrências desse tipo, sendo que 79% desse total se valem de “discursos estigmatizantes que buscam difamar e constranger as vítimas”, de acordo com o monitoramento. Desses, 57,4% são discursos de autoridades e figuras proeminentes.

Entre autoridades públicas, os que mais agrediram as mulheres jornalistas foram o próprio Jair Bolsonaro e o deputado federal Carlos Jordy (União-RJ), com oito ataques cada um, segundo o estudo. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) soma sete ataques.

Além disso, outro palestrante do evento, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também foi lembrado das redes sociais por não o trato de questões de gênero entre suas virtudes. A escritora Marcia Tiburi, ela própria uma mulher auto-exilada depois de receber ameaças contra sua vida, postou em sua conta no Twitter alguns vídeos da ex-mulher de Lira Jullyene Lins. Nas gravações, ela denuncia o ex-marido por corrupção e revela que, por esse motivo, foi ameaçada.