Água Branca

Para entidades sociais, Haddad ‘elitizou’ operação urbana na zona oeste de São Paulo

Segundo movimentos, texto aprovado pela Câmara contraria as diretrizes iniciais do projeto e os debates realizados nos últimos anos

CC / O Patifundio

Vista parcial do bairro da Barra Funda, a ser brevemente modificada por nova e polêmica operação urbana em São Paulo

São Paulo – Entidades sociais e movimentos populares afirmam que se sentem “traídos” pelo prefeito Fernando Haddad (PT) devido às mudanças produzidas pela administração, e aprovadas pela Câmara, no projeto da Operação Urbana Água Branca. Segundo eles, o texto contraria os objetivos iniciais da intervenção na região da Barra Funda, zona oeste da capital, delineados pela população durante dois anos e meio de debates.

Operações urbanas pressupõem alterações na infraestrutura de uma determinada região para alavancar o desenvolvimento e melhorar o aproveitamento dos equipamentos já instalados.

Na região da Água Branca, zona oeste de São Paulo, a ideia era recuperar uma área já servida com corredores de ônibus e estações de trem e metrô, mas com baixa densidade populacional – originalmente a área era ocupada por galpões industriais que agora estão abandonados ou simplesmente não existem mais, dando lugar a grandes terrenos vazios.

Para isso, Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs) – papéis negociados na Bolsa de Valores que correspondem à permissão de construção acima do tamanho permitido pelo zoneamento do perímetro da operação – serão vendidos pela prefeitura, que deve usar os R$ 3,1 bilhões de recursos que, estima-se, serão arrecadados para realizar as melhorias na região.

Entre elas, a construção de dez centros de educação infantil, duas escolas municipais de educação infantil, quatro escolas municipais de ensino fundamental, uma escola de ensino médio, duas unidades básicas de saúde e uma unidade básica de saúde com assistência médica ambulatorial, além de 5 mil unidades habitacionais de interesse social.

Na Operação Água Branca, a ideia era evitar a expulsão de pessoas de baixa renda, como a que aconteceu nas operações Faria Lima e Água Espraiada. Porém, os mecanismos que garantiriam isso teriam ficado de fora do texto aprovado pelos vereadores, na avaliação da organização não-governamental Defenda São Paulo.

“Antes, os apartamentos eram pequenos, de até 50 metros quadrados, e agora podem ser de até 180 metros quadrados. Em vários lugares podem ter dois subsolos (para garagens), contrariando a licença ambiental prévia. Os córregos, que seriam a céu aberto agora vão ter piscinão. E introduziram uma ponte, de Pirituba para a Lapa”, afirma a arquiteta Lucila Lacreta, diretora da entidade.

As alterações no texto foram incluídas no projeto de lei em um substitutivo apresentado por Haddad no dia 3. Depois disso, uma audiência pública foi promovida pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara, na última segunda-feira. Um dia depois, o projeto foi votado e aprovado, com quase a totalidade dos votos. Apenas Gilberto Natalini (PV) e Toninho Vespoli (Psol) ficaram contra. A apresentação do substitutivo “atropelou” o debate, sem que as pessoas pudessem se “inteirar do seu conteúdo”, afirma Lucila.

A avaliação é que as mudanças irão incentivar a construção de apartamentos de alto padrão e o uso de automóveis, em vez da vasta rede de transporte público da região, próxima à estação Barra Funda, que conjuga trem, metrô, ônibus municipais, intermunicipais, nacionais e até internacionais. As mudanças, segundo Lucila, representam distorções na proposta que vinha sendo discutida. “Agora vai ser um bairro de classe média alta qualquer”, acredita.

“A questão dos dois subsolos era inegociável”, afirma a conselheira do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da macrorregião Lapa, Ros Mari Zenha.

“Além de ser o mais sustentável, já que ali é sabidamente área de várzea do rio Tietê, portanto com lençois freáticos frágeis, essa medida tornava a produção mais barata, o que possibilita que pessoas de classe média se instalassem”, detalha. Ela disse acreditar que “certamente, foi uma exigência do mercado imobiliário, que queria construir imóveis de mais alto padrão. Foi um fim melancólico,.”

Para o coordenador da União Nacional por Moradia Popular, Donizete Oliveira, apesar das conquistas em relação a obrigatoriedade da construção de 3 mil unidades de moradia de interesse social e da surpreendente rápida aprovação da Operação, o processo não atende os interesses da população mais pobre.

“A ponte é necessária, mas quem deveria pagar por ela são os responsáveis pela construção do Tietê Plaza Shopping. Foi para atender a esse shopping que a ponte foi incluída”, acredita – o mais novo empreendimento comercial da capital tem inauguração prevista para o mês que vem.

Exageros

Segundo a secretaria de Relações Institucionais da prefeitura, as alterações foram acordadas com os vereadores da Comissão de Política Urbana para equilibrar a demanda dos demais parlamentares da Casa e a intenção da gestão de adensar o perímetro.

As emendas aprovadas ao projeto de lei apresentadas pelos vereadores ainda não foram publicadas no Diário Oficial. A RBA solicitou os textos à Mesa Diretora, que informou ainda não os ter. Segundo o vereador Paulo Frange (PTB), elas tratam do prolongamento da Avenida Pompéia, a construção de alças de acesso à ponte Julio Mesquita, a retirada da autorização de prolongamento da Avenida Auro de Moura Andrade até a rua Constança, redução do tamanho das garagens de 30 metros quadrados para 28 metros quadrados, além das mudanças nos tamanhos dos imóveis e uso do subsolo.

Para o vereador Nabil Bonduki (PT), falta fundamento às críticas. “O texto recebeu mais de 15 emendas que modificaram muito daquele substitutivo. Então, muito provavelmente, eles não sabem o que foi votado”, afirma.

Segundo Nabil, apesar das mudanças em relação à autorização de mais subsolos e tamanho dos imóveis, o texto aprovado é basicamente o discutido na Comissão de Política Urbana, da qual ele faz parte.

“A cota máxima de terrenos por unidade se manteve. O que significa que a média do tamanho das unidades não se altera. Teve alteração em relação à quantidade de garagens, mas dizer que isso altera integralmente o projeto original é um exagero fora de propósito. Até porque hoje se pode fazer quantos quiser. Não que eu concorde com isso. Acho que o projeto original era melhor. No entanto, dizer que tudo que estava previsto desapareceu é um exagero muito grande. O adensamento como um todo é o mesmo”, avalia.

Para a conselheira Ros Mari, porém, a permissão para dois subsolos, o aumento do tamanho das unidades habitacionais e a construção de uma ponte já descaracterizam o projeto.

“Com todo respeito ao Nabil. a gente ficar feliz de ter conseguido alguma coisa em detrimento de todo o resto do que a gente estava lutando, não é verdadeiro. As críticas não são infundadas. Estamos trabalhando com dados objetivos”, diz.

O Ministério Público Estadual de São Paulo estuda se medidas jurídicas podem ser tomadas contra a Operação Urbana Água Branca. “É como se tivesse discutido uma coisa e votado outra. A participação foi traída”, disse o promotor de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes. Ele afirmou que o Ministério Público está esmiuçando o texto aprovado para tomar as medidas cabíveis.