Estado de calamidade

Mais de 9 mil pessoas estão desabrigadas após chuvas em Pernambuco, que já deixaram 126 mortos

Em todo o Brasil, já são mais de 500 vidas perdidas em temporais desde o final do ano passado. Enquanto Bolsonaro coloca a culpa nas vítimas por morarem em locais de risco, especialistas cobram política de habitação

TV Brasil/Reprodução
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Em apenas cinco meses deste ano, as mortes por chuva já superaram todo o ano de 2021, segundo levantamento da CNM

São Paulo – Equipes de resgate encontraram sem vida, na manhã desta quinta-feira (2), o corpo da trabalhadora doméstica Maria José da Silva, de 61 anos, que morava sozinha na comunidade Bola de Ouro, no Curado 4, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Ela era a última vítima que estava sendo procurada desde que as fortes chuvas, que caem em todo o estado de Pernambuco há mais de uma semana, atingiram três casas na comunidade. Outras seis foram arrastadas nos deslizamentos de barreiras. 

Ao todo, seis pessoas morreram na região, sendo quatro de uma mesma família. Com a última localização, o número de mortos aumentou para 126, de acordo com boletim divulgado às 12h10 pelo governo estadual. Mais dois corpos foram achados e o Instituto de Medicina Legal (IML) contabilizou outros quatro óbitos.

O governo de Pernambuco informou também que o total de desabrigados aumentou para 9.302 pessoas. Elas estão em 111 abrigos temporários distribuídos em 27 municípios. As equipes de resgate seguem pelo sexto dia de buscas por outros dois desaparecidos na comunidade do Areeiro, em Camaragibe, e no bairro de Paratibe, em Paulista, ambos na região metropolitana do Recife. Ao portal g1 Pernambuco, o major do Corpo de Bombeiros Antônio Barbalho contou que uma árvore de grande porte, que veio junto do deslizamento, ficou em cima da trabalhadora doméstica. A situação, descreve ele, dificultou a localização de Maria José. “Mas o avanço durante a madrugada fez com que a gente tivesse sucesso agora para acabar esse desespero e tentar acalentar esses corações que estão tão sofridos”, explicou o major.

2022, o ano com mais mortes

Desde o final do ano passado, já são mais de 500 vidas perdidas em temporais por todo o Brasil. Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), com base em dados das defesas civis municipais, mostra que o maior desastre em número de óbitos aconteceu em fevereiro, em Petrópolis, onde 233 pessoas morreram também vítimas das enchentes e deslizamentos. Houve, contudo, óbitos em temporais na Bahia, Minas Gerais, São Paulo e agora Recife. 

O estudo revela que o número de mortes pela chuva cresce desde 2019. Naquele ano, 297 óbitos foram registrados. Já em 2020, foram 216. E, no ano passado, houve 290 vítimas de temporais. Em apenas cinco meses deste ano, portanto, as mortes por chuva já superaram todo o ano de 2021. O período de alta coincide ainda com a administração de Jair Bolsonaro (PL) à frente ao governo federal. Em mais de uma ocasião, o presidente atribuiu a tragédia às próprias vítimas por morarem em locais de risco. No início da semana ele esteve em Recife e disse a um programa de televisão que a população poderia “colaborar” e não morar em áreas de risco. 

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O argumento é contestado por especialistas que garantem que o Brasil precisa de uma política de habitação para atender as famílias que mais precisam. É o que destaca reportagem de Jô Miyagui, do Seu Jornal, na TVT, que mostra que culpar unicamente as chuvas e as mudanças climáticas pelo aumentos das enchentes, deslizamentos e mortes é “cômodo e simplista”. Esses desastres humanos e ambientais também são resultados do desenvolvimento urbano excludente e de uma sociedade desigual, como a brasileira.

A falta que faz políticas de moradia

“A maior parte da população das nossas cidades acaba sendo empurrada para situações territoriais em que ela tem que conviver com insegurança da terra, com risco socioambiental e falta de saneamento. Então esse processo de urbanização que não acolhe a população e que, ao mesmo tempo, as áreas centrais e valorizadas não estão disponíveis para essa população, faz com que a maior parte das famílias seja obrigada a conviver com essas situações de risco. Essas famílias são, na verdade, vitimas da situação em que as nossas cidades se encontram”, observa o diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota. 

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A curto prazo, a saída para evitar mortes é elaborar planos de gestão de risco e prevenção, conforme acrescenta a professora de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) Ana Paula Fracalanza à TVT. O monitoramento meteorológico já é bem-feito, destaca a docente. Mas faltam sistemas de comunicação e alerta e ações de prevenções em momentos de risco. Assim como capacitar os moradores para saber o que fazer e onde ir. A especialista conclui, no entanto, que a solução definitiva é de médio a longo prazo. E passa pela elaboração de programas habitacionais para retirar a população dessas áreas de risco.

“As mortes poderiam ser evitadas desde que fossem implementadas políticas habitacionais que fizessem com que essas populações fossem sendo realocadas em locais onde esses problemas não acontecem”, adverte Ana Paula.

Assista à reportagem

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima