Direito

Justiça determina que governo Alckmin garanta ensino noturno a presas

Decisão unânime dos desembargadores do TJ refere-se a ação movida por entidades de direitos humanos e educação em prol de 2 mil detentas da Penitenciária Feminina de Santana, na capital paulista

Arquivo/Arquidiocese de São Paulo

Das presas de Santana, 87% querem estudar e só 12% estudam porque a maioria trabalha em tempo integral. Falta ensino noturno

São Paulo – A partir de 2018, o governo do estado de São Paulo estará obrigado a oferecer ensino noturno às cerca de 2 mil detentas da Penitenciária Feminina de Santana, localizada na zona norte da capital paulista. A decisão unânime dos desembargadores da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo foi proferida ontem (7), em julgamento da ação civil pública movida pela Ação Educativa, Defensoria Pública de São Paulo, Pastoral Carcerária, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), Instituto Práxis de Direitos Humanos e Conectas, protocolada em abril de 2012. O descumprimento da decisão acarretará em multa diária. Cabe recurso.

A ação foi motivada por uma pesquisa realizada em 2011 por essas entidades, que constatou o interesse das presas em estudar – 79% delas declararam que gostariam de frequentar aulas na prisão. O dado foi reiterado por um novo estudo realizado em 2014, segundo o qual apenas 12% das presas de Santana estudavam embora 87% delas afirmaram querer estudar.  A ampla maioria (94%) trabalhava em tempo integral.

Ainda pela pesquisa, 57,2% das detentas não tinham concluído o ensino fundamental obrigatório e 91,8% não concluíram o ensino médio, etapa final da escolarização considerada como básica no Brasil. A necessidade de estudar no período noturno foi indicada por 87,2% das entrevistadas, sendo composta, em sua grande maioria, por mulheres que trabalham e que estudariam caso houvesse oferta noturna adequada. A pesquisa de 2014 confirmou outra realizada em 2011, que constatou o interesse das presas em estudar, já que 79% declararam que gostariam de estudar na prisão.

De acordo com a advogada Vivian Calderoni, da Conectas, o acesso à educação é um direito básico que deve ser garantido pelo Estado a todo cidadão, esteja ele encarcerado ou não. “Além disso, é um elemento fundamental para a reintegração social de presos, contribui para reduzir a taxa de reincidência e, consequentemente, previne a criminalidade dentro e fora das cadeias. Portanto, não faz sentido se opor a isso.”

Na avaliação do governo paulista, porém, a proposta é inviável devido à “escassez de funcionários no presídio durante a noite, o que acarretaria em maior risco de fugas” – uma justificativa que não se sustenta, conforme os desembargadores e a própria Procuradoria de Justiça.

“Verifica-se que o Estado de São Paulo ao se recursar a ofertar ensino noturno às presas da penitenciária de Sant’Ana está violando dispositivos constitucionais e legais, não podendo o Judiciário assistir pacificamente este descaso do Poder Público com os direitos fundamentais das presas”, ressaltou Deborah Pierri, procuradora do Ministério Público de São Paulo, em seu parecer. “As razões de falta de segurança em decorrência da escassez de funcionários no período noturno não podem servir de desculpa para afastar um direito fundamental”, conclui.

Apesar de o estabelecimento já possuir opções de ensino pela manhã e à tarde, o acesso à educação no período da noite é uma antiga demanda das presas e de organizações da sociedade civil, que apontam que os horários de aula conflitam com os de trabalho. 

Entidades de direitos humanos avaliam a determinação como um marco histórico ao abrir um precedente na luta pelo acesso à educação em presídios. Segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da justiça, apenas 13% das pessoas presas no Brasil estão inseridas em atividades educacionais. Em São Paulo, esse número é bem menor: 8%.

Outro dado é que a população carcerária paulista – 220 mil detentos – corresponde a 35% do número total de presos no Brasil. Destes, 86,23% (189 mil) não concluíram o ensino médio; apenas 7% (15.265) têm acesso a aulas e 1% (2.423) participam de alguma atividade complementar de educação, como programas de leitura, videoteca e leitura.

Com a ação, as organizações pretendem refutar os argumentos de que não haveria recursos e estrutura para a ampliação do número de vagas e matrículas nas unidades e dos riscos da oferta de ensino noturno à segurança.

Educação x sistema prisional

Em junho de 2014, o Brasil tinha 607 mil presos. Desde 2000, a taxa média anual de crescimento do número de presos é de 7%. Deste contingente de pessoas privadas de liberdade, apenas 10% tinham alguma atividade educacional em 2014, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).

O estado de São Paulo, que concentra cerca de 36% dos presos do país, não enviou as informações relativas às atividades educacionais dos encarcerados. Em alguns estados, como o Rio de Janeiro, apenas 1% dos presos estavam realizando alguma atividade educacional.

O baixo índice de atendimento educacional contrasta com o número de presos que não concluíram os estudos em nível básico. Em 2014, 6% dos presos eram analfabetos, 47% tinham concluído o ensino fundamental e apenas 11% dos presos tinha o ensino médio completo. Do total, 56% tinham idade entre 18 e 29 anos, e apenas 8% tinham idade igual ou superior a 46 anos.

A situação se mantém mesmo após as Diretrizes para a Política Nacional de Educação em Prisões (Resolução CNE nº 2/2010), que inseriu a educação nas prisões na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), garantindo a presença de profissionais habilitados, o financiamento público, material didático e merenda escolar.

Enfim, os educandos internos ao sistema prisional passaram a usufruir dos mesmos direitos garantidos aos educandos que frequentam as redes públicas de ensino em escolas regulares. Tal resolução fortaleceu o direito à educação dos encarcerados, que deve ser o mesmo de qualquer cidadão brasileiro.

Com informações da Conectas e da Ação Educativa