No Vale do Javari

Indigenista desaparecido na Amazônia foi ameaçado por invasores em bilhete. ‘Vamos acertar as contas’

Nome do servidor da Funai foi citado em ameaça deixada no escritório de advocacia da Univaja, ONG para qual Bruno Araújo Pereira vinha coordenando projeto de melhoria da vigilância de terras indígenas. Trabalho desagradava narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros

Bruno Jorge/Ibama
Bruno Jorge/Ibama
O especialista protetor dos territórios e do meio ambiente estava em missão na região para denunciar crimes. Então, ele foi assassinado por isso

São Paulo – O indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), desaparecido desde domingo (5), foi ameaçado em bilhete apócrifo com mensagens explícitas contra seu trabalho e de lideranças indígenas no Vale do Javari, oeste do Amazonas. A intimidação foi revelada em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, nesta terça (7), e destaca que os invasores sabem “quem são vocês e vamos achar pra acertar as contas”. 

O bilhete segue com ameaças que destacam “sei que quem é contra nós é o Beto Índio e o Bruno da Funai é quem manda os índios irem prender nossos motores e tomar os nossos peixes. (…) Só vou avisar desta dessa vez que se continuar desse jeito vai ser pior pra vocês. (…) Se querem dar prejuízo, melhor se aprontarem. Está avisado”. O indigenista desapareceu, há mais de 48 horas, enquanto voltava da comunidade São Rafael em direção à cidade de Atalaia do Norte, na companhia do jornalista Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian. 

Os dois voltavam de uma visita à Terra Indígena do Vale do Javari, onde o jornalista havia realizado entrevistas. Eles deveriam ter chegado entre 8h e 9h da manhã de domingo na cidade de Atalaia do Norte, o que não ocorreu. A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que divulgou o paradeiro de ambos, denunciou que nesta semana a equipe recebeu ameaças em campo. E, há um mês e meio, foi endereçado ao advogado Eliesio Marubo o bilhete anônimo com as intimidações ao trabalho de Bruno e outras lideranças. Ele e Beto, também citado pelos invasores na ameaça, são líderes da Univaja. Já Bruno estava licenciado de suas atividades na Funai para coordenar na entidade um projeto de melhoria da vigilância de terras indígenas. 

Ameaças e sumiço

Segundo a reportagem, o trabalho desagravada narcotraficantes, garimpeiros e madeireiros que invadem a TI do Vale do Javari. A entidade avalia que os invasores têm se sentido mais à vontade para intimidar a população local e os indigenistas por causa dos incentivos que o governo de Jair Bolsonaro (PL) dá a garimpeiros e exploradores. Para o advogado, a ameaça tem relação direta com o sumiço de Pereira e Phillips. 

“Não tenho a menor dúvida. Era uma questão de tempo para acontecer. Infelizmente é dessa maneira, até finalizarem o que eles têm que fazer. O Estado não está presente e deixa um espaço vazio. Onde o Estado não está, o crime está”, afirmou Marubo ao Estadão.

Além das constantes ameaças que o indigenista sofria por seu trabalho, recentemente um piloto da Univaja e o consultor Orlando Possuelo, filho do sertanista Sydney Possuelo também haviam sido intimidados por criminosos em Atalaia do Norte. Segundo o advogado, disseram a ele que “tinham de parar o que estavam fazendo, se não ia acontecer o mesmo que aconteceu com Maxciel”. Maxciel Pereira era um colaborador da Funai que atuava nas bases do Vale do Javari e foi assassinado em setembro de 2019. Até hoje, as autoridades não deram respostas sobre a autoria do crime nem apontaram os responsáveis, reporta o veículo. Desde 2018, também intensificaram os ataques à base da Funai no Vale do Javari. Em 2019, ela foi alvo de tiros de caçadores clandestinos.

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Como andam as buscas

O desaparecimento de Pereira e Phillips, contudo, vem provocando uma intensa campanha nas redes sociais que cobra dos órgãos responsáveis todos os recursos necessários para a realização imediata das buscas. O ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmou nesta terça-feira (7) que a Funai, a Polícia Federal, as Forças Armas e a Força Nacional retomaram hoje as buscas pelos desaparecidos. De acordo com o ministro, a Marinha do Brasil deve seguir na operação com um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática. 

As providências vêm em resposta também a uma ação civil pública ingressa pela Defensoria Pública da União (DPU) que cobrou “maiores esforços” do governo federal para localização do indigenista e do jornalista. Ontem, o órgão e a Univaja concluíram que não foi usado helicóptero nas buscas.

A PF disse que ouviu, nessa segunda, duas pessoas que se encontraram com a dupla antes do desaparecimento. Um deles seria uma liderança indígena e outro um pescador. Os nomes não foram divulgados e, segundo a corporação, eles foram consultados na condição de testemunhas e liberados em seguida. A Polícia Federal também anunciou que deve ouvir mais pessoas, nesta terça, que tiveram contato com Bruno de Araújo Pereira e Dom Phillips. 

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima