Mau momento

Desaparecimentos de jornalista e indigenista na Amazônia são mais uma sombra para Cúpula das Américas

Anfitrião, Biden passará por constrangimento de se reunir com Bolsonaro, que estimula crimes ambientais e violência contra ativistas

Kevin Lamarque/Alamy
Kevin Lamarque/Alamy

São Paulo – A Cúpula das Américas começa nesta segunda-feira (6), nos Estados Unidos, esvaziada e com credibilidade em xeque. A reunião de líderes dos países do continente, com o tema “Construindo um futuro sustentável, resiliente e equitativo”, vai até sexta (10). A necessidade da transição para um modelo de energia limpa, e o combate ao aquecimento global estarão em pauta. “É o evento de maior prioridade do presidente Biden para a região”, diz o Departamento de Estado norte-americano em sua página na Internet.

Mas o evento soa desacreditado quando se sabe que Cuba, Venezuela e Nicarágua não foram convidadas pelos anfitriões Estados Unidos. Tanto que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, confirmou que não participará da reunião continental em Los Angeles.

“Não vou à cúpula porque nem todos os países das Américas estão convidados”, disse Obrador, que será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard. “Acredito na necessidade de mudar a política que se impõe há séculos: exclusão, querer dominar sem motivo, não respeitar a soberania dos países. Não pode haver Cúpula das Américas se não participarem todos os países”, destacou ainda o chefe de governo mexicano.

O Ministério de Relações Exteriores de Cuba considerou, em nota, injustificável a exclusão. “Não há razão para justificar a exclusão antidemocrática e arbitrária de qualquer país do hemisfério para esta reunião continental. Você não pode falar sobre as Américas sem incluir todos os países do hemisfério.” No mesmo tom manifestou-se o presidente da Bolívia, Luis Arce. “Se querem fazer um encontro de amigos, que o façam, mas não podem chamar de Cúpula das Américas”, disse, em mensagem enviada aos anfitriões.

Chico Mendes e Dorothy Stang

Com temor de que a Cúpula se transformasse em completo fracasso, Joe Biden chegou a enviar um emissário – o assessor especial da Casa Branca, Chris Dodd –, há duas semanas, para convencer Jair Bolsonaro a participar da reunião. Último do chefe de Estado de países importantes a reconhecer a vitória de Biden contra Donald Trump em 2020, Bolsonaro finalmente decidiu ir.

Agora, ao lado de Bolsonaro, conhecido por estimular tanto a destruição ambiental quanto a violência contra ativistas e opositores, Biden terá a sombra de mais um incidente que incomodou o mundo: no contexto de discussões sobre energia limpa, aquecimento global e ecologia, o Brasil protagoniza o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira, na Amazônia, em região tensa onde há invasões de caçadores, pescadores e madeireiros.

Eles sumiram no domingo (5) ao se deslocar de barco pelo Rio Itaquaí após visita à Terra Indígena do Vale do Javari. Ambientalistas en todo o planeta imediatamente lembraram dos assassinatos do líder seringueiro Chico Mendes (1988) e da missionária Dorothy Stang (2005). Até o fechamento deste texto não havia notícias sobre o paradeiro de Phillips e Pereira.

O governante brasileiro é visto como inimigo das florestas e dos ecossistemas brasileiros. O desmatamento da Amazônia e outros biomas nunca foi tão grave. Com esse cenário, e com a guerra entre Rússia e Ucrânia como pano de fundo, a agenda entre Biden e Bolsonaro deve ocorrer entre quarta e sexta-feira (10). O brasileiro, que se encontrou com o russo Vladimir Putin poucos dias antes do início do conflito na Europa, poderá usar mais uma foto em sua campanha.

China: América Latina não é mais quintal dos EUA

Do outro lado do mundo, a China não perdeu a oportunidade para tripudiar sobre a desacreditada Cúpula das Américas. O jornal estatal Global Times afirma nesta segunda que os EUA enfrentarão “uma situação embaraçosa” na Cúpula.

A publicação ouviu analistas chineses segundo os quais o evento esvaziado de Los Angeles prova que a América Latina não é mais um “quintal” dos EUA. A situação reflete o declínio da hegemonia dos EUA e mostra que Washington “é incapaz de impedir que o continente busque autonomia e desenvolvimento baseado em seus interesses próprios”, diz o jornal.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, em coletiva de imprensa, afirmou que, “como anfitriões da cúpula, os EUA precisam parar com todas as suas abordagens hegemônicas e dar respeito concreto aos países da América Latina e do Caribe”.

O Global Times citou na matéria o especialista em estudos latino-americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, em Pequim, Guo Cunhai. O analista afirmou que, assim como México e a Argentina, também o Brasil provavelmente verá uma virada à esquerda nas eleições deste ano. “Isso prova que a política dos EUA na América Latina falhou em cuidar dos interesses dos países regionais”, disse Guo.


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