Comunicação

Governo publicará decreto que prevê publicidade institucional em rádios comunitárias

Revisão de decreto é uma reivindicação histórica das rádios comunitárias e movimentos sociais ligados à comunicação popular

Joseph Kebbie/Pixabay
Joseph Kebbie/Pixabay
Área de abrangência e choque de frequências são apontados como os problemas principais por movimento de rádios comunitárias

Agência Pulsar Brasil – A história das políticas públicas para o serviço de Radiodifusão Comunitária (Radcom) no Brasil pode ganhar um novo capítulo nas próximas semanas. Isso porque o Governo Federal pretende publicar, ainda em junho, uma nova norma com alterações ao Decreto 2.615/98, que regulamenta o serviço de Radcom no país, instituído pela Lei 9.612/98. Conforme informou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República à Pulsar Brasil, a medida tem como principal objetivo viabilizar a publicidade institucional para rádios comunitárias.

Também em resposta à Pulsar, o Ministério das Comunicações (MCom) confirmou que a proposta do novo texto “está em fase de avaliação pela Consultoria Jurídica e pelo Ministro de Estado das Comunicações” e “será submetida para avaliação da Secretaria Especial Para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e da Presidência da República”.

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Sobre os principais pontos a serem alterados, o MCom informou apenas que “são aqueles que estão dissonantes ou extrapolando obrigações estabelecidas pela Lei 9.612/1998”.

“As alterações foram discutidas entre servidores do Ministério das Comunicações, da ANATEL e da SECOM, baseadas em contribuições/pedidos/manifestações enviadas por diversas associações e entidades representantes de Rádio Comunitária ao longo dos últimos meses”, respondeu à reportagem.

A revisão do Decreto 2.615/98 é uma reivindicação histórica das rádios comunitárias e movimentos sociais ligados à comunicação popular. Desde a publicação da norma – ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – os movimentos de Radcom têm apontado as contradições entre as restrições impostas pelo decreto e os direitos previstos pela Lei 9.612.

Para além das restrições ao apoio cultural (art.32) e a vedação à publicidade (art.40), organizações como o Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC) e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil) têm chamado a atenção para os problemas – e até ilegalidades – criados, por exemplo: pelas restrições em relação ao raio de cobertura das rádios (art.6º); pela designação de um canal único para todas as emissoras, sem resolver a questão do choque de frequências (art.10º); e pelo processo burocrático para a concessão de outorgas estabelecido pelo Plano Nacional de Outorgas (PNO).

Para Alan Camargo, secretário geral da Associação Cultural Recreativa Ferrabraz, mantenedora da Rádio Ferrabraz FM, no município de Sapiranga, no Rio Grande do Sul, a iniciativa do governo de alterar o decreto para permitir o recebimento de verbas de publicidade institucional pelas rádios comunitárias pode, de fato, ajudar as emissoras. Contudo, segundo o integrante do MNCR, os problemas do serviço de Radcom no Brasil são mais graves e vão muito além do suporte financeiro.

“Nós passamos 25 anos sem um centavo do governo. Então essa não é a nossa pauta prioritária. A gente existe independente do governo querer dar dinheiro ou não. Nossa pauta prioritária é resolver choque de frequência e a possibilidade da gente outorgar rádios em todo o país, e não só essas que estão no ar por conta das moedas de troca”, explicou.

Outro modelo

Com experiência de mais de 20 anos em defesa da comunicação comunitária, Alan acompanhou desde a criação da Lei das Rádios Comunitárias (Lei 9.612/98) até as reuniões do Grupo de Trabalho (GT) de Comunicações do governo de transição, na passagem do governo de Jair Bolsonaro (PL) para o governo de Lula (PT), em dezembro do ano passado. Segundo ele, ao longo de todo esse tempo, os sucessivos governos têm ignorado questões técnicas que são centrais para a operação e desenvolvimento das rádios comunitárias no país, como é caso dos problemas relativos à área de abrangência e ao choque de frequências.

“Essa discussão técnica o governo nunca fez. Não entende disso. Os gestores vão pra lá sem entender disso. Nunca quiseram e não entendem. São políticos, não conhecem essa realidade. O núcleo central de governo não consegue perceber que isso é uma discussão técnica e encara tudo como se fosse um pedido de dinheiro por conta dessa história do apoio cultural ser sempre a principal pauta”, comentou o jornalista.

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De acordo com o comunicador, mais do que verbas de publicidade, a melhoria dos movimentos de rádios comunitárias passa pela elaboração e implantação de “um outro modelo”.

“Dinheiro é bom, mas o que nós queremos é outro modelo. É diferente a nossa discussão. Nós queremos uma estratégia urbana e uma estratégia rural para o desenvolvimento da radiodifusão comunitária. O que a gente quer é ter rádio em tudo que é canto que hoje não existe”, pontuou.

Primeiros passos

Em maio, as organizações e movimentos de rádios comunitárias enviaram um documento ao MCom e à Secom que analisa as “inconstitucionalidades e aberrações” do Decreto 2.615/98 em relação à Lei 9.612/98. A área de abrangência de um quilômetro, “estabelecida no Decreto sem qualquer previsão legal, ou mesmo doutrinária” e a “fixação de um canal único, sem possibilidade de resolução de eventuais choques de frequência entre dois sistemas” aparecem novamente como algumas das principais contradições apontadas no texto.

Segundo Alan Camargo, a restrição em relação ao raio de cobertura deveria ser o primeiro ponto a ser revisto no novo decreto. “A lei é clara: a rádio tem 25 watts de potência e antena de 30 metros. O decreto não consegue regulamentar as leis da física. A lei já fala em 25 watts. Essa é a restrição. Não pode ter outra restrição”, esclareceu.

Sobre a questão do canal único, Alan observa que o decreto distorce o conceito ao interpretá-lo como “um único e específico canal”. Neste sentido, ele sublinha que a própria lei estabelece a indicação de um “canal alternativo” em casos de inviabilidade técnica de operação em um determinado canal.

“Aqui, por exemplo, todos as rádios foram outorgadas em 87.9. Distante quatro quilômetros uma da outra, nós temos um quilômetro em que nosso sinal pega, dois quilômetros de choque de frequência e um outro quilômetro que pega a outra rádio. Então tem uma comunidade inteira – o dobro da que é atingida – que não tem direito a ouvir a rádio. Que se sintonizar o rádio, está aquela chiadeira. Não é sinal nem de um nem de outro porque os dois estão operando no mesmo canal. Se seguir assim, o país vai outorgar 15 mil rádios quando deveria outorgar 35 mil por conta do espaço vazio que se constrói nessa disputa das ondas aí no espaço”, alerta.

Outorgas

Outra medida urgente apontada pelo integrante do MNRC é a revisão do procedimento para concessão de outorgas. Neste ponto, o movimento defende o fim do Plano Nacional de Outorgas (PNO) e a desburocratização do processo de concessão.

Hoje, uma associação interessada em prestar o serviço de RadCom deve, primeiro, manifestar o interesse ao MCom, aguardar a abertura do edital e só depois de responder ao edital e preencher os requisitos básicos, terá o processo instaurado. O processo é, então, analisado pelo MCom e, caso aprovado, é encaminhado ao Congresso para que a concessão seja votada. Segundo Alan, da manifestação de interesse até a concessão da outorga, o processo costuma levar, no mínimo, quatro anos.

A solução defendida pelo MNRC seria simplificar o procedimento através da implementação de um modelo que admita a habilitação cartorial das associações interessadas.

“O processo é todo cartorial. Tem que dizer quem é a entidade que está pedindo e como é que a diretoria está. Não precisa mais. E aí pode outorgar qualquer entidade da comunidade. Não precisa ter, como diz o decreto, uma entidade específica para o serviço de rádio comunitária. Isso não está na lei. A lei, inclusive, foi criada pra garantir que até sindicato, igreja, qualquer um possa ter rádio. O decreto é que tira isso”, propõe o comunicador.

“O Lula pode ter a oportunidade de outorgar 20 mil rádios nos próximos meses se quiser. É só cair esse decreto”, concluiu.