Federalização de casos de violência no campo vira polêmica entre juízes

Magistrados federais querem avaliar os processos, mas estaduais não abrem mão

São Paulo – Sempre discutida quando há uma onda de violência na zona rural brasileira, a federalização do julgamento desse tipo de crime veio novamente à tona durante audiência realizada nesta terça-feira (28) na Câmara.

Gabriel Wedy, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), defendeu a medida como uma chave para reduzir a impunidade no assassinato de camponeses e de trabalhadores rurais sem-terra. “Devemos colocar os corporativismos de lado. Devemos pensar nos benefícios da sociedade. É uma vergonha para nosso país o que está acontecendo”, afirmou durante o debate promovido pelas comissões de Direitos Humanos e de Constituição, Justiça e Cidadania. 

Wedy apresentou a informação de que dos 180 casos apurados no Pará sobre mortes no campo, apenas quatro resultaram em abertura de inquérito. Por isso, ele defende que a investigação seja conduzida sempre pela Polícia Federal, por contar com mais recursos e sofrer menos pressões dos grupos de poder locais, muitas vezes envolvidos nesses episódios. 

A emenda constitucional 45, sancionada em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê o deslocamento de competência nos casos de graves violações de direitos humanos. A transferência, no entanto, depende de ação da Procuradoria Geral da República que precisa ser avalizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na prática, segundo o magistrado, apenas um caso – envolvendo grupos de extermínio em Pernambuco e na Paraíba – foi federalizado.

Por isso, Wedy acredita ser necessário institucionalizar o deslocamento diretamente para a Justiça Federal dos processos de mortes violentas ocorridas no campo. “Tenho certeza de que esse número vergonhoso de 98% de impunidade no Pará, com a federalização, temos a condição de acabar com a impunidade.”

Recursos

Também presente à audiência, o vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Diógenes Hassam Ribeiro, criticou a possibilidade de federalização. “Entendemos que a melhor solução é dotar os estados de recursos públicos, humanos e materiais, e treinar as forças públicas para que essas medidas tragam benefícios para o combate a todos os tipos de delito, inclusive da violência no campo.”

De acordo com o juiz, a Justiça dos estados contou, em 2009, com 15 mil magistrados e gastou R$ 23 bilhões naquele ano. Já a Justiça federal, segundo disse, tinha 1.500 magistrados e gastou R$ 6 bilhões. Além disso, de acordo com Diógenes Ribeiro, “o número de julgamentos da Justiça estadual é muitas vezes superior à Justiça federal”.

Outras ações

Uma série de outras sugestões foram apresentadas durante o amplo debate. O ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino Silva, ponderou que há uma gama de motivos que explicam a violência na área rural e que, portanto, é preciso lançar mão de várias ações para acabar com o problema.

Combater a ocupação ilegal de terras, agilizar a regularização de áreas públicas na Amazônia Legal, organizar mutirões para os processos criminais, acelerar os inquéritos policiais, acabar com a extração ilegal de madeira e fortalecer e criar fóruns agrários nos estados do Norte são alguns exemplos que dão conta de que a solução é bastante complexa. 

O presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Landislau Biernaski, considera que a reforma agrária é a medida crucial para combater a violência no campo. Ele não deixou de culpar deputados e senadores pela realidade atual e ressaltou que a terra está concentrada nas mãos de pouquíssimas pessoas no Brasil, fazendo com que pouca gente viva na zona rural. “Com essa imensidão, isso é incompreensível”, sustentou. “Grandes distorções, como a destinação pelo governo federal de mais de R$ 100 bilhões ao agronegócio e apenas 10% desse valor para os pequenos produtores, que produzem mais de 70% dos alimentos para os brasileiros” fecham o quadro de violência, na visão de Biernaski.

Com informações da Agência Câmara.