Ilegalidade

Prefeitura descumpre regra de uso do orçamento para combater desigualdades

Regionalização dos gastos em São Paulo é determinada pela Lei Orgânica do Município e considerada importante para atenuar as diferenças sociais, mas estudo aponta que isso praticamente não acontece

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Desigualdade: falta de clareza sobre o local onde são aplicados os gastos desrespeita a Lei Orgânica do Município

São Paulo – Um estudo apoiado pela Fundação Tide Setubal revelou que é praticamente inexistente a regionalização do orçamento municipal da capital paulista, algo considerado fundamental para o combate das desigualdades sociais na cidade. Dentre os achados do pesquisador Tomás Wissenbach, ex-diretor do Departamento de Produção e Análise de Informações da prefeitura, apenas 3,3% das ações orçamentárias regionalizadas são liquidadas. “Ao longo do processo existe um pacto com a sociedade que define a regionalização de alguns itens. Mas na execução, isso não se efetiva”, afirmou.

A pesquisa reúne dados orçamentários de 2014 a 2017. Nesses quatro anos foram gastos R$ 64,6 bilhões pela prefeitura. Desse montante, apenas R$ 2,1 bilhões tinham definição de onde foram aplicados. Outros R$ 48 bilhões seriam regionalizáveis, mas não havia definição do local onde a verba foi gasta. Além de ser um valor relativamente pequeno do orçamento, os gastos regionalizados ainda são os que mais sofrem com o congelamento de verbas. Em quatro anos, 16% do valor foi contingenciado.

A secretaria menos afetada pela falta de regionalização é a Cultura. Para os organizadores da pesquisa, isso tem a ver com a mobilização de artistas e ativistas da área pela definição de rubricas no orçamento. Mesmo assim, os gastos com definição territorial corresponderam a 59% do total que tinha condições de ser regionalizado. Todas as demais ficam abaixo de 50%, com destaque para as secretarias de Assistência e Desenvolvimento Social e da Habitação, que regionalizaram apenas 3% e 7%, respectivamente.

A falta de clareza sobre o local ou região onde são aplicados os gastos do orçamento desrespeita o artigo 137 da Lei Orgânica do Município (LOM), espécie de Constituição da cidade. “Em algum momento isso foi demarcado de forma clara na Lei Orgânica e o desrespeito a essa regra traz graves consequências à sociedade”, disse Wissenbach. Dentre as principais estão a dificuldade no processo participativo de elaboração do orçamento e o prejuízo da coordenação de ações do município de forma a combater as desigualdades sociais.

Para o gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, Américo Sampaio, conhecer em detalhes essa situação é fundamental. “Saber quanto dinheiro vai para cada uma das regiões da cidade, considerando as desigualdades sociais, é o ponto principal para conseguirmos ter uma cidade mais democrática, mais humana”, afirmou. Segundo Américo, o estudo aponta caminhos claros para efetivar a regionalização do orçamento paulistano.

Dentre as medidas estão a normatização do detalhamento das ações no orçamento, incluindo o local onde será realizada, abertura de arquivos com informações em formatos mais simples, simplificar o acesso ao Diário Oficial e relacionar de forma clara contratos de investimento e dotações orçamentárias. 

Américo criticou o que considera uma inação de todos os órgãos públicos em garantir o orçamento regionalizado. “Prefeitura e Câmara não atuam para efetivar a lei. Já procuramos o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Município e ambos tiveram uma postura muito conivente com a situação”, relatou. “Não sabemos quanto do dinheiro público vai para cada região da cidade. O que é visível é a assimetria da prestação e qualidade dos serviços públicos quando se compara regiões nobres com regiões periféricas. A falta de clareza prejudica muito uma ação objetiva no combate às desigualdades”, afirmou.

Para a jornalista Gisele Brito, integrante do projeto #NoCentrodaPauta, só conhecimento dos dados não é suficiente para garantir que haja uma ação orçamentária direcionada a combater as desigualdades. “A pessoa vai ver que a Avenida Paulista recebe mais dinheiro que o Jardim Brasil e pensa ‘ah, mas é a Paulista, né, aquilo é de todo mundo’. A desigualdade não é discutida na mídia hegemônica porque ela é o cotidiano. Isso é um consenso alimentado por essa mídia. É preciso haver uma batalha também na comunicação”, afirmou.

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