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Esboço de sentença indica condenação de Bolsonaro em Tribunal dos Povos

Tribuna dos Povos deve apresentar sentença definitiva, com possível condenação pela gestão da pandemia de covid-19, em audiência nesta quinta

Reprodução/Youtube
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Nas redes sociais, não faltaram aqueles que satirizaram a conduta questionável do político

São Paulo – O conteúdo de um esboço da sentença do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) que será lida nesta quinta-feira (1º), aponta para uma possível condenação do presidente Jair Bolsonaro (PL) por sua gestão da pandemia da covid-19. A informação é do colunista do UOL Jamil Chade.

Segundo ele, três fontes da corte, na Europa, confirmam que um primeiro rascunho da decisão já foi elaborado. Entretanto, o processo ainda envolve uma reunião nesta quarta-feira para que todos os juízes possam apresentar seus argumentos e determinar a sentença.

“Diante de uma gestão sem precedentes, os juízes tinham de tomar uma decisão sobre o que fazer com Bolsonaro. Dentro do Tribunal, não existe dúvida de que ele será condenado. Mas o debate é sobre como encaixá-lo”, diz o colunista.

A minuta que será submetida aos demais juízes aponta para “graves violações de direitos humanos” e, em algumas ocasiões, para atos que poderiam significar crimes contra a humanidade.

No entanto, não há por enquanto indicação de que os crimes pelo quais Bolsonaro pode ser condenado devam ser considerados como genocídio. Apesar de o conceito estar excluído da minuta, ainda pode voltar a ser debatido. Isso porque alguns dos membros da corte mantém posição favorável a essa classificação de crime.

Propagação intencional da covid-19

A virtual sentença de condenação de Bolsonaro refere-se a uma denúncia apresentada pela Comissão Arns, a Internacional de Serviços Públicos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a Coalizão Negra por Direitos.

Os grupos pedem a condenação de Bolsonaro por ter, “no uso de suas atribuições, propagado intencionalmente a pandemia de covid-19 no Brasil, gerando a morte e o adoecimento evitáveis de milhares de pessoas, na perspectiva de uma escalada autoritária que busca suprimir direitos e erodir a democracia, principalmente da população indígena, negra e dos profissionais de saúde, acentuando vulnerabilidades e desigualdades no acesso a serviços públicos e na garantia de direitos humanos”.

Devido à gestão de Bolsonaro, o Brasil ultrapassou a triste marca de 683 mil mortos pela doença e mais de 34 milhões de casos confirmados. Um dado subestimado devido a falta de testes realizados.

A acusação foi liderada pelos advogados Eloísa Machado de Almeida, Sheila de Carvalho e Maurício Terena. Eles apresentaram argumentos que demonstram que houve a prática de incitação do genocídio, principalmente contra os povos indígenas e a população negra.

Com sede em Roma, na Itália, o Tribunal Permanente dos Povos é definido como um tribunal internacional de opinião, que se dedica a determinar onde, quando e como direitos fundamentais de povos e indivíduos foram violados. Entre suas atribuições está a instauração de processos que examinam os nexos causais de violações e a denuncia dos autores dos crimes perante a opinião pública internacional.

Apesar de ser um tribunal de opinião, cujas sentenças não são aplicadas necessariamente pelos sistemas de Justiça oficiais dos Estados, seus vereditos têm relevância internacional pelo reconhecimento de crimes e deveres de reparação e Justiça que sequer seriam considerados pelos sistemas legais oficiais.

Bolsonaro foi motivo de várias denúncias

Criado em novembro de 1966 e conduzido em duas sessões na Suécia e na Dinamarca, o tribunal pioneiro foi organizado pelo filósofo britânico Bertand Russell, com mediação do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e participação de intelectuais da envergadura do político italiano Lelio Basso, da escritora francesa Simone de Beauvoir, do ativista norte-americano Ralph Shoenman e do escritor argentino Julio Cortázar. Na ocasião, o tribunal investigou crimes cometidos na intervenção militar norte-americana no Vietnã.

Nos anos seguintes, tribunais semelhantes foram criados sob o mesmo modelo, investigando temas como as violações de direitos humanos nas ditaduras da Argentina e do Brasil (Roma, 1973), o golpe militar no Chile (Roma, 1974-1976), a questão dos direitos humanos na psiquiatria (Berlim, 2001) e as guerras do Iraque (Bruxelas, 2004), na Palestina (Barcelona, 2009-2012), no leste da Ucrânia (Veneza, 2014).

Essa não é a primeira vez que o tribunal lida com questões brasileiras. Em 1989, quando tratou da impunidade nos crimes de lesa-humanidade na América Latina, colocou em evidência impunidade dos responsáveis por violações cometidas durante a ditadura militar brasileira e a negação do direito à memória coletiva como condição para evitar novas formas de autoritarismo.

A situação de crianças e adolescentes na sociedade brasileira e a questão carcerária no país foram temas tratados em 1991. A sessão sobre a Amazônia, no ano seguinte, mostrou a trágica distância entre realidade e direitos preconizados pela Carta de 1988, no manejo do território e nas garantias de autonomia dos povos locais.

Mas durante o governo Bolsonaro, as denúncias se repetem. No ano passado, em sua 49ª Sessão, o tribunal acolheu denúncias de ecocídio e violação de direitos dos povos do cerrado brasileiro. A sentença, porém, ainda não foi divulgada.