Governo de São Paulo

Entidades repudiam nomeação de PM envolvido no Carandiru como escolha ‘nada técnica’ de Tarcísio

“O que dá fama a ele é, infelizmente, a participação no massacre”, contesta o defensor público Mateus Moro sobre o currículo do coronel da reserva da PM Sérgio de Souza Merlo, indicado pelo governador de São Paulo à administração penitenciária

Agência Alesp
Agência Alesp
Tarcísio de Freitas elogiou a ação violenta de agentes da polícia em operação após morte de policial

São Paulo – A nomeação do coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo Sérgio de Souza Merlo para o cargo de Assessor Técnico de Gabinete da Secretaria de Administração Penitenciário do Estado (SAP) vem sendo repudiado por juristas, organizações que lutam pelos direitos humanos e especialistas em segurança pública. Pelo menos 40 entidades subscreveram uma nota, divulgada nessa segunda-feira (16), exigindo a retirada do nome de Merlo. 

O coronel foi indicado ao cargo no sábado (14) no Diário Oficial de São Paulo, pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Segundo a administração estadual, a escolha atendeu a “critérios técnicos”. Merlo é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e tem mais de 30 anos de experiência na administração pública. No entanto, de acordo com as entidades, a nomeação “não tem nada de técnica”. E, na prática, “indica uma lógica de autoritarismo que vai na contramão do combate à tortura e da efetivação dos direitos humanos para a população privada de liberdade”, conforme destacam em um trecho do documento. 

O defensor público Mateus Oliveira Moro, membro do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria de São Paulo – uma das entidades que assinam o texto – acrescenta que Tarcísio “fez uma escolha sobre uma pessoa que não se destaca por ser especialista em administração penitenciária, ou porque tenha feito mestrado e doutorado em segurança pública. O fato que dá fama a ele, infelizmente, é a participação no massacre de 111 pessoas”, adverte em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual

Passado que condena

Mateus Moro faz referência à participação de Merlo no morticínio do Carandiru, que entrou para a história como o massacre de presos em 2 de outubro de 1992. O PM, à época, foi denunciado pelo Ministério Público por estar à frente de um pelotão que participou de um segundo momento da operação, no dia do massacre, chamada de “varredura”. 

A denúncia do MP mostra que, nessa ação, Merlo e a equipe agrediram e torturaram os presos sobreviventes. Eles já estavam rendidos, mas, ao retornarem às suas celas, foram forçados a passar por um “corredor polonês”, formados por policiais militares que aplicavam golpes de cassetes, batiam com canos de ferro, davam coronhada com revólveres e pontapés, além de ferirem os custodiados com instrumentos pérfuro-cortantes, como facas e estiletes, e também mordidas de cachorro. 

O coronel chegou a ser denunciado. Mas, em 2014, seu processo foi extinto, ainda na primeira instância, por prescrição do crime. O defensor público explica que, de toda forma, ficou claro que Merlo comandou o pelotão. E que a escolha “lamentável”, de acordo com as entidades, “fere a memória e a honra das vítimas e de seus familiares”. 

Escolha nada técnica

“Embora ele tenha trabalhado na administração pública, o governo traz esse caráter técnico, mas ele não se notabilizou por ser algum expert na área. Na verdade, o que o governador quer é dar uma desculpa para uma escolha que foi feita. (…) Não é verdade que ele é especialista”, ressalta o defensor. “A escolha não é técnica e tem um simbolismo muito grande. Você vai deixar uma pessoa que participou de um massacre tão triste e tão sangrento para a história de São Paulo estar num cargo de assessoria direta”. 

Se confirmada a escolha, Merlo responderá ao secretário da SAP, o também coronel da reserva da PM Marcello Streifinger, cujo irmão, Márcio Streifinger, também atuou na operação “varredura” no Massacre do Carandiru. As entidades prometem reforçar a mobilização contra o nome de Merlo de forma semelhante à atuação contra a indicação do coronel da PM Nivaldo César Restivo para a Secretaria Nacional de Políticas Penais pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. 

Após pressão das organizações e de nomes do próprio governo, Restivo acabou desistindo de assumir a pasta. Mas, de acordo com o defensor, na prática houve um recuo por parte de Dino que dialogou com os movimentos. “Não vamos sossegar enquanto não houver uma explicação razoável para isso. Ou mesmo o que aconteceu em relação ao Flávio Dino e o Nivaldo, que o governador recue. Vamos ver agora aqui em São Paulo se o Tarcísio está aberto ao diálogo. Porque já saiu no Diário Oficial, mas a nossa intenção é que isso não se concretize”, destacou. 

Julgamento do indulto

No texto, as entidades também ressaltam que o estado de São Paulo tem o maior numero de unidades prisionais, perto de 180. Assim como responde pela maior população carcerária do país. A cada 200 paulistas, um está preso, segundo a defensoria. A unidade federativa também acumula o maior número de denúncias de violações de direitos humanos, conforme mostram dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. 

“E essa nomeação (de Tarcísio) coloca em xeque todo um avanço democrático e de direitos humanos que a gente queria. É um simbolismo que não vai no sentido do que a gente almejava”, acrescenta Moro. 

Na justiça, o processo do Massacre do Carandiru ganha uma nova fase no próximo dia 31 de janeiro, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pode decidir se os PMs condenados devem ou não receber o indulto dado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Perto de deixar o governo, no dia 23 de dezembro, Bolsonaro concedeu perdão aos policiais. A expectativa da Defensoria Pública, porém, é que o Supremo Tribunal Federal (STF) avalie antes do TJ o indulto. 

De toda forma, o tribunal paulista também poderá declarar inconstitucional o ato do ex-presidente. 

Confira a entrevista