Não calarão

Editor do DCM denuncia assédio judicial por abordagem da Polícia Civil em sua casa

“Esses caras se sentem empoderados (pelo governo Bolsonaro). Aí um grupo de advogados manda a polícia na casa de um jornalista”, diz Kiko Nogueira

DCM/reprodução
DCM/reprodução
"Há uma tentativa de nos sufocar judicialmente, e financeiramente. Mas não vamos nos calar”, diz Kiko Nogueira

São Paulo – O editor do site Diário do Centro do Mundo (DCM), Kiko Nogueira, foi surpreendido por uma viatura da Polícia Civil em sua residência, na cidade de São Paulo, na manhã de ontem (2). De acordo com relato do jornalista à RBA, um investigador da corporação, alegando que precisava verificar se o site ficava na jurisdição do 51º Distrito Policial, localizado no Butantã, zona oeste da capital, foi até sua casa, e não no endereço do DCM, no centro. 

A viatura estacionou em frente à garagem de sua residência. E a autoridade policial foi recebida pelo filho do editor, que ligou para o advogado do site, Francisco Ramos. Kiko Nogueira chegou pouco depois e conta que, durante os cerca de 40 minutos em que o investigador ficou no local, não apresentou nenhuma notificação ou intimação formal. Ao advogado, o agente que o jornalista prefere não identificar – repetia que cumpria protocolo para verificar o endereço do DCM

Ele segurava uma papelada cuja primeira folha destacava um processo criminal de injúria e ameaça. Ao notar a atenção de Kiko Nogueira ao documento, o investigador de polícia colocou os documentos na viatura, segundo o editor do DCM. Mais de 24 horas depois da ação, o advogado do portal recebeu apenas a informação inicial de que a diligência da polícia teria ocorrido a pedido de um grupo de advogados que assinam representações contra o DCM, por alegadas ofensas. 

Sem identificação

“É para intimidar”, destaca Nogueira. “Por que vai no criminal? É para colocar a polícia na história. E que ameaça? É tudo esquisito. E se ele (agente policial) foi cumprir uma ordem específica, é preciso mostrar esse papel. ‘Olha, é isso aqui e isso aqui, vim entregar em mãos uma notificação, intimação, sobre isso, isso e isso.’ Mas ele chegou com uma papelada, xerox, na minha casa, sem nada que aparente legalidade”, contesta o jornalista. 

Em nota à imprensa, a defesa do DCM afirmou estar “vigilante com todas as tentativas de intimidação, especialmente agora que o estado democrático de direito está ameaçado”, informou. O advogado Francisco Ramos deve se reunir amanhã com o delegado do 51º DP para entender o caso e verificar quem são esses advogados e clientes, ainda não revelados. “Espero esclarecer tudo, quem mandou o policial na minha casa, é isso que preciso saber, quem são esses advogados”, ressalta Nogueira. 

Assédio judicial

O Diário do Centro do Mundo, criado em 2009 pelo jornalista Paulo Nogueira (1956-2017), irmão de Kiko, é um dos veículos da mídia independente no Brasil. Desde a chegada de Bolsonaro ao poder, o editor do portal observa um processo de “assédio judicial”. O veículo já foi alvo de processos de figuras políticas, como o atual presidenciável Ciro Gomes (PDT) e o empresário bolsonarista Luciano Hang.

Hang é autor de pelo menos oito representações contra o DCM, três delas já desconsideradas pela Justiça e vencidas pelo portal. “Há uma cadeia de comando em que esses caras se sentem agora empoderados pelo Bolsonaro. E aí chega na ponta com um investigador, um delegado ou um grupo de advogados que resolve mandar a polícia na casa de um jornalista. (…) Há uma tentativa de nos sufocar judicialmente, e claro, financeiramente. E, no limite, nos calar, acabar com o DCM. Mas não vamos nos calar”, destaca Kiko Nogueira. 

RBA buscou informações sobre o caso na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Em nota, a pasta informou que “recebeu uma ordem judicial para apurar uma queixa crime de denunciação caluniosa e crime contra a honra. Agentes da unidade foram até o endereço informado para checar se no local funcionava a empresa requerida. Após constatarem que se tratava de residência e que a empresa funciona no centro, a requisição judicial foi encaminhada à 1ª Seccional (Centro), para continuidade das apurações, nos termos do que preconiza a legislação vigente. Denúncias sobre a conduta dos policiais podem ser formalizadas junto à Corregedoria da Polícia Civil, a fim de que os fatos sejam devidamente apurados”, declarou. A identidade dos autores da representação também não foi divulgada pela secretaria. 

(*) Nota atualizada às 17h47 para inclusão de nota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo