Visão humanitária

Direito da Terra: primeira turma no Pará busca formação com olhar em questões sociais e ambientais

Quase 50 estudantes se formaram, basicamente jovens vindos de assentamentos, em uma região marcada por violência e conflitos de terra

Reprodução
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A primeira turma de Direito da Terra: quase todos vieram de assentamentos. Maioria das famílias nunca teve alguém com ensino superior

São Paulo – O segundo sábado de 2022 foi festivo para um grupo de estudantes e suas famílias em Marabá, em uma inédita formatura na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). A instituição foi criada em 2013 a partir de um desmembramento da Federal paraense, a UFPA. Era a primeira turma graduada em Direito da Terra, curso que começou em 2016 para jovens vindos, basicamente, de assentamentos. A cerimônia, que respeitou as normas sanitárias exigidas devido à pandemia, reuniu, além das famílias, representantes de diversos movimentos sociais. Os envolvidos ressaltam o surgimento de bacharéis em Direito com formação não tradicional em uma região marcada por violência contra trabalhadores rurais e conflitos de terra. Além de abrir novas perspectivas sobre o acesso à educação formal.

“Faltam muitos defensores desse segmento da população”, comenta o coordenador do curso de Direito da Unifesspa, Jorge Ribeiro. Ele lembra que as regiões sul e sudeste do Pará concentram nada menos que 515 assentamentos. Nenhum formado a partir de iniciativa oficial. “Todos foram a partir de lutas, e lutas sangrentas.” Assim, o curso, com os fundamentos do tema, procurou trazer o conceito do chamado Direito crítico, mais sensível a questões sociais e de direitos humanos.

Lutas camponesas

Era um projeto que já vinha sendo pensado há algum tempo na universidade, que tem “tradição muito forte de diálogo com as lutas camponesas na região”, lembra o coordenador. A instituição já oferecia cursos nessas modalidades, em áreas como Agronomia, Letras e Pedagogia. O curso de Direito da Terra na universidade do Pará busca seguir as diretrizes do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado ainda durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Frei Henri, que atuou durante 35 anos no Brasil, deu nome à turma (Reprodução)

“Nossa concepção era formar advogados populares, sensíveis a questões sociais, Direito socioambiental, agrário, (para) lutar por aqueles segmentos mais vulnerabilizados na sociedade. Essas concepções perpassam o projeto”, diz Jorge, ele mesmo formado naquele campus. Foi advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Secretaria de Direitos Humanos do município. O curso da Unifesspa é o sexto dessa natureza no país. Antes, formaram-se duas turmas na Bahia, duas em Goiás e uma no Paraná. Segundo o coordenador, já está organizada uma turma para o segundo semestre, com 200 estudantes concorrendo a 50 vagas.

Jovens, negros, agricultores

Dos 50 da turma pioneira, apenas três desistiram, dois por questão de saúde e um por motivos pessoais. Dos 47, conta Jorge, 41 já são bacharéis e seis ainda irão apresentar seus trabalhos de conclusão (TCCs). Onze já passaram no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Mais da metade da turma (58%) tem de 18 a 25 anos. Praticamente 40% se declararam negros. E 71% citaram agricultura familiar como atividade econômica. Em 74% das famílias, não havia até então ninguém com ensino superior – essa mesma proporção de pais não concluíram o fundamental. A renda familiar de 80% não passava de dois salários mínimos.

Assim, a turma recém-formada ganhou o nome de Frei Henri Burin des Roziers. Foi uma homenagem ao religioso que atuou no país desde os anos 1980. Inclusive como advogado da CPT na conflituosa região do Bico do Papagaio (Tocantins) e no sul/sudeste do Pará. Um dos pioneiros na denúncia de trabalho escravo contemporâneo, várias vezes ameaçado por sua atuação, frei Henri morreu em 2017, aos 87 anos, na França, depois de passar 35 anos no Brasil.


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