Contaminação

Sem regulação, ‘desordem informacional’ corre solta e redes impulsionam mentiras impunemente

Conduta de usuários e plataformas inviabilizam debate de ideias. TSE aponta aluguel de mídias, como Brasil Paralelo e Jovem Pan, para fake news

Reprodução/TVT
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São Paulo – Para a advogada Flávia Lefrèvre, integrante da organização Direito à Comunicação e Democracia (Diracom), o Brasil vive neste segundo turno uma repetição da onda de fake news – ou mentiras nas redes – que contaminou a eleição de 2018, vencida por Bolsonaro. A especialista alerta que, para além dos problemas históricos de acesso à internet, segue em falta a regulação de como plataformas, entre elas Facebook, WhatsApp e YouTube, gerenciam a moderação de conteúdos. 

A novidade deste pleito, de acordo com Flávia, é que canais tradicionais, como a rádio Jovem Pan e a produtora Brasil Paralelo, declaradamente bolsonaristas, aproveitam brechas nas redes sociais para manipular conteúdos jornalísticos existentes e descontextualizar. A ponto de induzir o espectador a conclusões que não condizem com a realidade. 

Nesta quinta-feira (13), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou ao Twitter a exclusão de um vídeo do Brasil Paralelo com críticas Lula. A corte considerou que a peça causa “desordem informacional”, porque atribuir ao ex-presidente supostos casos de corrupção que teriam ocorrido durante seu mandato. Mas desconsiderando que eles jamais foram judicialmente imputados a Lula.

Novas modalidades de desinformação

“Considero grave a desordem informacional apresentada”, destacou, ao votar, o ministro Ricardo Lewandowski. Na ocasião, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, também comentou que o caso expõe “duas novas modalidades de desinformação”. A primeira, de tratar da “manipulação de premissas verdadeiras”, disse ele. “Você junta várias informações verdadeiras, que ocorreram, e aí traz uma conclusão falsa”. O que vem aliado à segunda modalidade, de usar a mídia tradicional para espalhar fake news. 

Ainda segundo Moraes, essas estratégias de desinformação vêm crescendo no segundo turno. “Não se pode admitir a mídia tradicional de aluguel, mídia que faz suposta informação jornalística absolutamente fraudulenta, para permitir que se replique isso e a partir dessa divulgação se diga, ‘não, só estou replicando o que a mídia tradicional colocou'”, disparou o presidente do TSE. 

Flávia pondera, porém, que apesar do reconhecimento dos problemas pelo tribunal, há ameaças que extrapolam inclusive o âmbito de atuação do TSE. “Temos que promover uma campanha junto ao poder Legislativo para que se torne efetivo o direito de neutralidade que já está garantido pelo Marco Civil da Internet. Mas precisamos de regulação sobre as plataformas que hoje não tem”, alerta, em entrevista do programa Bom para Todos, na TVT.

Canais de direita são impulsionados

“Precisamos saber sobre a prática algorítmica que essas empresas utilizam para fazer o gerenciamento dos conteúdos que trafegam em suas redes e o controle do fluxo da informação. Isso não está devidamente regulado. A gente tem o Projeto de Lei (PL) 2.630 de 2020 que deveria ter sido aprovado no final do ano passado. As Big Techs, especialmente a Meta e o Google, fizeram um lobby pesado e desleal contra a aprovação desse projeto. E a gente não tem transparência em como essas empresas atuam”, comenta a advogada. 

Ela lembra de um estudo do NetLab, grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mostrou que os sistemas de recomendação do YouTube remetem o usuário da plataforma para canais como Brasil Paralelo e Jovem Pan. Além disso, o maior anunciante de impulsionamento na plataforma, hoje, é a produtora de direita. “O que também interfere, porque quando você faz uma busca de um determinado assunto na internet também é possível pagar para você ter seu conteúdo elevado, aparecer na primeira página do resultado de busca. E eu considero que esse também é um problema que a gente tem que rever”, aponta.

“Não é à toa que foi na eleição de 2018 que aconteceram todas as barbaridades que aconteceram. Que infelizmente nos levaram para a tragédia que estamos enfrentando hoje, tendo eleito o presidente Jair Bolsonaro. (…) E estamos vivendo agora uma repetição. Olha o que foi a eleição para o Senado, com uma bancada conservadora, com predomínio de partidos reacionários. Um movimento que a gente retrocede a muito para trás. Precisamos enfrentar esses problemas se a gente não quiser mergulhar nessa lama que estamos hoje”, acrescenta a advogada. 

Falta de acesso 

Enquanto isso, pelo menos 80 milhões de brasileiros estão sujeitos a restrições de acesso à internet impostos pelos modelos de franquia das operadoras. Com isso, a partir do momento em que se esgota o pacote de dados e a internet é bloqueada, redes sociais como Facebook e WhatsApp passam a ter tratamento privilegiado, como as únicas acessíveis em meio ao bloqueio. O que aumenta os desafios, principalmente neste contexto eleitoral.

“Então basicamente as questões de acesso vêm determinando como as pessoas se informam e isso termina em influenciar como se forma a consciência política dos brasileiros”, ressalta Flávia Lefrèvre. 

Confira a entrevista