Reclamação disciplinar

Deputados ajuizam ação no CNJ contra juiz que decretou prisão de manifestantes no Rio

Episódio repercutiu mal entre operadores de Direito, magistrados, parlamentares e partidos políticos

Taylor Barnes

Entre os “indícios” para a prisão dos ativistas, havia uma garrafa com líquido que “parece gasolina”

Brasília – Repercutiu mal, ao longo de toda esta quinta-feira (17), tanto no meio político como também entre advogados e magistrados, a decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, de prender preventivamente 26 ativistas no último sábado (dos quais 19 foram realmente presos), e de ter prorrogado ontem (16) a prisão de cinco deles. Itabaiana justificou a decisão pelo fato de haver possibilidade de envolvimento dos detentos em uma manifestação que estava programada para o dia seguinte. A medida foi alvo de críticas, notas públicas e ajuizamento, no início da tarde, de um pedido de reclamação disciplinar contra o magistrado junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feito por quatro parlamentares.

Os autores da reclamação foram os deputados Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Chico Alencar (Psol-RJ), Jean Wyllys (Psol0RJ) e Ivan Valente (Psol-SP). Eles argumentaram, no documento entregue ao CNJ, que o episódio não tem precedentes no regime democrático. “O magistrado reclamado utilizou dos poderes conferidos ao Judiciário para, através de decreto de prisão, coibir supostas tentativas de práticas ilícitas que não tiveram sequer o início de ato preparatório algum. Foram prisões cautelares destinadas a reprimir delitos imaginários forjados pelos aparatos da repressão governamental”, afirmaram.

Os parlamentares destacaram, também, que é nítida a falta de individualização da conduta, necessária para requisitar a prisão preventiva. E acusaram o juiz de não ter apresentado indícios para motivar a prisão. “A leitura da decisão do magistrado reclamado revela uma arbitrariedade inaceitável. O ato agride o Estado Democrático e de Direito, além dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. As prisões constituem ato eminentemente político e criam perigoso precedente: a privação da liberdade individual passa a ser objeto de decisão fundada em previsões e no cálculo relativo ao interesse do poder executivo”, enfatizaram, na ação.

O pedido feito ao Conselho é de que, além da investigação da conduta do magistrado no episódio e possível a abertura de representação contra Flávio Itabaiana, os deputados possam ter acesso a uma cópia integral do processo que resultou na ordem de prisão dos manifestantes.

Nota do PT

Numa outra frente, a diretoria do Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou nota conjunta assinada pelo presidente nacional do partido, Rui Falcão, o secretário de Movimentos Populares, Bruno Elias, e o coordenador do Setorial de Direitos Humanos da legenda, Rodrigo Mondego, acentuando que o PT considera a prisão dos ativistas “uma grave violação dos direitos e liberdades democráticas”. Os petistas manifestaram, no documento, “repúdio à criminalização das manifestações democráticas” e defendem “o diálogo entre o Estado e os movimentos sociais”.

“Os direitos de reunião e livre manifestação são conquistas legítimas do povo brasileiro e não vamos transigir em sua defesa”, ressaltou a nota. “A violência de Estado e a intimidação de manifestantes devem ser repelidas por todos os que defendemos a democracia e a liberdade de manifestação, motivo pelo qual também reivindicamos a liberdade dos ativistas que ainda se encontram presos”, completou.

Filme

Segundo os operadores de Direito, a conduta foi péssima para o Judiciário como um todo. O jurista e professor Lenio Strech afirmou, em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico (Conjur) que o episódio parece “uma versão jabuticaba de Minority Report”, filme em que um sistema policial detectava o crime antes de ser cometido e as pessoas eram presas antes que tais delitos ocorressem. “Só que o filme era ficção, mas os presos de forma antecipada no Brasil são reais”, disse.

“Se a moda pega, vamos prender as crianças porque, no futuro, cometerão crimes ou algo desse quilate. Pergunto: a teoria do Direito Penal tem alguma chance diante desse quadro? Chamemos Spielberg, porque parece que não mais precisamos de juristas, mas, sim, de diretores para dirigir essa imensa ficção que é o Brasil”, reclamou ainda Streck.

Na seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marcelo Chalréo, definiu a decisão como “ilegal e baseada em futurologia”. “A Polícia Civil do Rio de Janeiro acabou de inaugurar o que estamos chamando de divisão pré-crime. O juiz tem parceria com a Mãe Dinah. É uma situação kafkiana prender por crimes que supostamente vão acontecer”, colocou.

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Ricardo Sayeg frisou ser difícil acreditar que essas prisões tenham sido decretadas. “Não houve a demonstração da presença de seus requisitos legais, especialmente, no caso, o prejuízo à garantia da ordem pública. Também não foi demonstrada a imprescindibilidade da medida, ou seja, a razão pela qual não poderia ser substituída por outras medidas cautelares menos drásticas, como, por exemplo, uma ordem restritiva.”

‘Sem elementos’

O juiz Flávio Itabaiana, pivô de toda a confusão, usou como explicação para a decisão o fato de que “há sérios indícios de que está sendo planejada a realização de atos de extrema violência para os próximos dias, a fim de aproveitar a visibilidade em decorrência da cobertura da Copa do Mundo de futebol, sendo necessária a atuação policial para impedir a consumação desse objetivo e também para identificar os demais integrantes da associação.”

Ontem, no mesmo dia em que Itabaiana prorrogou a prisão de cinco dos ativistas detidos, o desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), determinou a soltura de 13 deles. Ele alegou que, ao decretar as 26 prisões, o juiz não apresentou elementos que comprovem a necessidade de que essas pessoas permanecessem presas.