Casal homoafetivo de militares prevê recorrer à Corte Interamericana

Sargento licenciado Fernando Figueiredo afirma à Rede Brasil Atual que vai denunciar juíza que os condenou na última semana à prisão por “denegrir” a imagem do Exército

São Paulo – Dois anos depois de ter a vida revirada, Fernando Figueiredo dedica-se à militância contra a tortura e pelos direitos dos homossexuais. O sargento licenciado do Exército mudou-se para São Paulo na tentativa de ampliar sua atuação, que inclui ainda conseguir que seu parceiro, Leci Araújo, possa se afastar do serviço militar por problemas de saúde.

Figueiredo não esteve na última terça-feira (8) na sessão em Brasília do Tribunal Militar que definiu por sua condenação a oito meses de detenção. Sob acusação de “denegrir a imagem do Exército”, Araújo recebeu a pena de um ano, três meses e 15 dias de reclusão. “Sinceramente, a gente não espera nunca da Justiça Militar um julgamento sóbrio. Porque é uma justiça de exceção. É um braço das Forças Armadas dentro do Poder Judiciário. Toda estrutura constrangedora é feita para isso”, pondera Figueiredo.

Vislumbrando poucas possibilidades de reverter a decisão, o casal já pensa no momento em que terá de recorrer a organismos internacionais. O caminho “natural” é oferecer uma ação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode definir pelo encaminhamento à Corte Interamericana.

A situação começou a ficar ruim há quatro anos, quando ele decidiu não ser conivente com o que considerava ser a corrupção na instituição militar na qual trabalhava. O sargento afirma que passou a ser ameaçado de morte e resolveu contar o caso aos superiores, o que só piorou a situação.

Em 2008, o casal procurou a imprensa para contar o caso. A presença em um programa de televisão mudou tudo. Do estúdio, os dois saíram presos. Araújo, que ficou mais tempo detido, denunciou tortura. O Ministério Público Militar entendeu que não havia sido assim e ofereceu denúncia contra ele e o parceiro por difamação. O resultado é a condenação desta semana.

Trajetória

Figueiredo não roga para si o papel de herói. Não tem nenhum problema em dizer que começou a denunciar a situação para salvar a própria dignidade e a do parceiro, e não em prol das lutas dos direitos dos homossexuais. Tanto que, sabendo da mentalidade que domina as Forças Armadas, os dois optaram por esconder a orientação sexual enquanto foi possível. “Todo aquele que se insurgir contra o sistema opressor e contra uma cultura arraigada de discriminação, preconceito e intolerância vai ser visto como desafeto das instituições militares”, afirma.

Hoje, no entanto, a luta não é “apenas” para resguardar a própria vida. Figueiredo está seguro que outros integrantes da corporação podem ser beneficiados pelas ações e vai buscar a reversão das decisões que considera equivocadas. O casal move ações contra os médicos militares que há anos negam licença por motivos de saúde a Araújo, que sofre de epilepsia. “Ele não é inválido, mas é incapaz para aquele tipo de atividade. A gente quer que o Estado reconheça isso”, relata Figueiredo.

Agora, o casal se prepara para processar a juíza responsável pela sentença desta semana. E quer lutar pela extinção da Justiça Militar, uma batalha um tanto quanto complicada. Em 2004, quando se fez a reforma do Judiciário, a Associação Juízes para a Democracia buscou extinguir tal instituição. “Se é um crime com repercussão para a sociedade, o julgamento deve ser igual para todo mundo”, defende a juíza Kenarik Boujikian Felippe, integrante da associação.

A extinção da Justiça Militar foi solicitada várias vezes por relatores da Organização das Nações Unidas (ONU), que entendem que o órgão tem caráter corporativista e praticamente inviabiliza a punição por crimes de abuso de autoridade, como execuções extrajudiciais e torturas. Mas não houve progresso. “Foi uma luta difícil, não conseguimos avançar absolutamente nada”, lembra a juíza.