Em Quito

Brasil é protagonista em fórum de urbanismo com soluções sobre ocupação do solo

Estatuto das Cidades e legislação que permite ocupação de áreas centrais por pessoas de baixa renda são elogiados durante Fórum Latino-Americano sobre Instrumentos Notáveis de Intervenção Urbana

Emerson Alecrim. Flickr

A relatora da ONU Raquel Rolnik apontou a ZEIS como uma medida importante para garantir o “melhor uso” do centro para moradias de baixa renda

Quito – O Brasil se destacou – positivamente – no Fórum Latino-Americano sobre Instrumentos Notáveis de Intervenção Urbana, realizado nesta semana em Quito (Equador) pelo Lincoln Institute of Land Policy. O encontro condensou, em três dias, 22 experiências notáveis de intervenção urbana exitosa na América Latina (quatro das quais, brasileiras).

Os projetos apresentados buscavam corrigir e interferir em alguns pontos sensíveis da formação e desenvolvimento das cidades latino-americanas. Um exemplo é a necessidade de recuperação do investimento em infraestrutura (que valoriza imóveis, mas não reflete um retorno para o poder público). Outro caso é o do combate à especulação com solo urbano e as estratégias para forçar o uso de terrenos e prédios. Em ambos os exemplos, a legislação brasileira (Estatuto das Cidades, nomeadamente) foi citada por especialistas de todo o continente como “sofisticada” e “avançada”. Mas a professora de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Sonia Rabello, presente ao fórum, ponderou: “a legislação prevê os instrumentos, mas os municípios ainda não os aplicam”.

A cidade de São Paulo apresentou uma das ferramentas mais sofisticadas do continente: o Certificado de Potencial Adicional de Construção, ou simplesmente Cepac. Trata-se de um documento que garante ao proprietário de um terreno o direito de construir além da metragem básica determinada pelo plano-diretor. Ou seja: o incorporador pode subir uma torre mais alta do que a prevista no plano (até certo ponto), mas precisará comprar esse direito da prefeitura.

A inovação neste caso, que é o que diferencia este instrumento da outorga onerosa, é o uso da bolsa de valores para negociar essas permissões, que são disputadas por agentes imobiliários em leilões públicos. “É a primeira vez que os direitos de construir são tratados como ações, é um instrumento muito sofisticado”, disse o professor Paulo Sandroni, da FGV, responsável pela apresentação. Por enquanto o Cepac está restrito às áreas das operações urbanas Faria Lima e Água Espraiada, mas Sandroni defende que o método se estenda a toda a cidade de São Paulo: “Com o Cepac você pode capturar mais recursos do que com o método usado hoje, um valor próximo ao de mercado e às vezes maior”.

Outro instrumento paulistano apresentado foi a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). A professora da FAU-USP e relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, celebrou a ZEIS como a resistência ao ditame urbanístico que diz: o valor do terreno é dado pelo seu maior e melhor uso. “Normalmente quem ocupa áreas mais centrais são aqueles que pagam mais: comércios ou residências para famílias de alta renda. Isso gera um processo de ‘exportação’ de pobres para as periferias. O que a ZEIS faz é dizer ‘o centro também é o melhor uso’, ou seja, que o melhor uso não é necessariamente o mais rentável”, defende Rolnik. O mecanismo determina que em certa área da mancha urbana só poderão ser erguidas moradias de interesse social – o que segura o valor do terreno e permite que populações permaneçam nas regiões onde já estão instaladas ou que ocupem áreas antes cobiçadas por grandes incorporadores. A favela Coliseu, na região da Faria Lima, e o Jardim Edith, ao lado da ponte estaiada, são exemplos de grupos sociais organizados que resistem ao processo de gentrificação sob proteção da ZEIS.

Ao lado do Brasil, destacaram-se instrumentos usados por administradores colombianos em cidades como Bogotá e Medellín. O país também tem um arcabouço legal avançado no que diz respeito ao uso social da propriedade e à recuperação de investimentos em infraestrutura que acarretam valorização de imóveis de particulares. Bogotá vem aplicando políticas severas desde a última década, como o leilão forçado. Por esse instrumento, a prefeitura determina que um proprietário dê uso a um terreno ou construção ociosa em dois a três anos. Caso a ordem não seja cumprida, a propriedade é posta a leilão com preço mínimo inferior ao de mercado.

Guilherme Alpendre viajou a Quito a convite do Instituto Lincoln