Especulação

MST: Bolsonaro engana sem-terra com títulos ‘fake’ para beneficiar ruralistas

Política fundiária bolsonarista consiste na distribuição de títulos sem assistência rural, levando assentados a vender, barato, seus lotes a fazendeiros aliados. É o aprofundamento da concentração de terra e da fome

Larissa da Silva Santos MST-PR
Larissa da Silva Santos MST-PR
MST: terra conquistada pela reforma agrária é para produzir alimentos saudáveis, não para vender

São Paulo – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra enviou hoje (31) ofício ao Tribunal de Contas da União (TCU), ao Conselho Nacional de Justiça (CNS), Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC). O MST pede a fiscalização dos atos de titulação de terra pelo governo de Jair Bolsonaro. O objetivo é que se garantam o interesse público e também o direito das famílias assentadas de consulta prévia quanto à forma de regularização dos lotes de reforma agrária onde residem e trabalham.

O governo Bolsonaro tem alardeado a emissão de mais de 342 mil títulos de propriedade de terra em seus quase três anos e meio de governo. “Estamos entregando títulos para pessoas que aguardavam há mais de 40 anos este pedaço de papel. Já ultrapassamos a casa dos 330 mil títulos no Brasil. Estamos fazendo um esforço para ultrapassar no corrente ano a casa dos 400 mil. A quantidade de títulos entregue em três anos foi muito maior que aquele entregue em oito anos de FHC, nos oito de Lula, nos meia dúzia de Dilma e nos dois de Temer. Esse é o governo que tem o compromisso com vocês, que honra esses compromisso. E esses títulos de propriedade, na verdade, não deixam de ser uma carta de alforria para cada um dos senhores”, disse Bolsonaro em vídeo postado no Twitter em 22 de abril.

Título inconstitucional de Bolsonaro

Mais cedo, em Brasília, Alexandre Conceição, integrante da coordenação do MST, havia destacado que a política de titulação que vem sendo praticada pelo governo de Jair Bolsonaro prejudica os assentados e vai aprofundar, a médio prazo, a concentração de terras no Brasil. Ao lado dos deputados João Daniel (PT-SE), da direção do MST Nordeste, e Orlando Silva (PCdoB-SP), ele alertou para os problemas da política fundiária conduzida pelo governo.

Diferentemente do que determina a Constituição, Bolsonaro não está emitindo a chamada Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), documento gratuito, com força de escritura pública, que confere segurança jurídica, que sai em nome do casal e garante direito ao uso da terra inclusive para filhos e herdeiros, mas que não permite a venda da terra que a terra seja vendida.

Essa modalidade foi defendida pelo MST na construção da Constituição para que, enquanto as famílias desenvolvam atividades produtivas no terreno ao mesmo tempo em que a União preserva os princípios de reforma agrária, evita-se que os lotes sejam objeto de negociatas e da especulação imobiliária.

Ou seja, para evitar a concentração de terra e proteger os interesses de todo o povo brasileiro, já que, por meio da União, foram investidos recursos públicos para desapropriar imóveis e assentar famílias. “A terra conquistada na reforma agrária é para produzir alimentos saudáveis para todos. Não para vender”, disse Alexandre Conceição.

Além disso, o governo distorce outro tipo de título previsto na Constituição, o Título de Domínio (TD).

Terra para os aliados

Trata-se de um título privado oneroso, emitido em nome do homem e da mulher, que dá os mesmos direitos da CDRU. Mas com a diferença que deve ser pago pelos assentados. Para conferi-lo o Incra deverá cobrar do assentado entre 10% e 50% do valor da terra nua estabelecido no mercado naquela região. Com esse título, depois de pagar a terra ao Incra, o assentado poderá vendê-la. Contrariando a lei, o Incra não tem assegurado que esse documento esteja no nome do casal, afirma o MST.

Segundo a coordenação nacional, em 90% dos casos estão sendo entregues documentos de ocupação provisória chamados Contrato de Concessão de Uso (CCU), que apenas reconhece formalmente a condição de assentada que a família exerce. “Muita gente é enganada, e só descobre quando vai ao cartório de registro de imóveis e não consegue averbar o documento que o Incra entrega”, disse Conceição.

Na avaliação do MST, o governo Bolsonaro quer distribuir títulos sem cumprir obrigações constitucionais. Entre elas, investimentos em áreas de assentamento para garantir condições de vida para as famílias assentadas, como acesso a moradia, saúde e educação, e crédito para produção e escoamento. Dessa maneira, sem condições de viver e produzir, o assentado acaba vendendo, barato, seu lote para os fazendeiros do entorno que, com a estratégia, estendem seu latifúndio pela região.

“Bolsonaro e os ruralistas querem desmontar a estrutura permitida hoje com a titulação coletiva a partir da CDRU. Nela, 10% do assentamento é área comum, 20% área de preservação ambiental e o restante ocupado pelas agrovilas individuais e lotes produtivos. Bolsonaro quer entregar os 10% aos municípios e 20% aos estados. Mas ao individualizar as famílias quebra a capacidade de produção em cadeia de arroz, cacau, milho, café, farinha, que transformou o MST em grande produtor”, disse Conceição.

Redação: Cida de Oliveira