Câmara de gás em viatura

‘Agentes da PRF envolvidos em ação que matou Genivaldo deveriam estar presos’, diz tenente-coronel

Os três policiais, que transformaram viatura em câmara de gás e levaram à morte homem negro, em Sergipe, foram apenas afastados das funções, segundo a Polícia Rodoviária Federal. Ao comentar o caso nesta segunda (30), Bolsonaro novamente defendeu a PRF e chamou Genivaldo de “marginal”

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São Paulo – Tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, o doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Adilson Paes de Souza defendeu nesta segunda-feira (30) a prisão dos três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) envolvidos na abordagem que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia foram identificados como os responsáveis por transformar uma viatura da PRF em câmara de gás após detonarem, dentro do porta-malas, uma bomba de gás lacrimogêneo e levarem à morte o homem negro. 

Genivaldo, que era diagnosticado com esquizofrenia, estava trancado e algemado dentro do porta-malas do veículo após ser detido por trafegar de moto sem capacete. E morreu, segundo laudo do Instituto Médico Ilegal (IML) por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda por ter aspirado o gás. A PRF disse em nota neste domingo (29) que os três agentes foram afastados das funções policiais e estão sendo investigados.

O afastamento, no entanto, é criticado pelo ex-tenente-coronel que o aponta como “tática para enganar a população”. De acordo com Adilson Paes, que é também mestre em Direitos Humanos, os policiais praticaram crime doloso. Ou seja, tiveram a intenção e assumiram o risco de produzir o resultado morte. E deveriam ter sido presos em flagrante. O especialista diz ainda que eles deveriam também ter sido presos preventivamente após a repercussão das imagens que mostram não apenas a brutalidade com que trataram Genivaldo, mas que uma “mentira” foi elaborada quando, em boletim de ocorrência, descreveram que o homem teria resistido à abordagem. 

Genivaldo não era marginal

A informação chegou a constar em nota da PRF que argumentava ainda que teria sido usado instrumentos de “menor potencial ofensivo” para conduzi-lo à delegacia. Além de que Genivaldo teria morrido de “mal súbito”. “Ou seja, a Polícia Rodoviária Federal, ela quer fazer a sociedade acreditar, mesmo com o vídeo, que os policiais agiram em legítima defesa. E que a morte foi fatalidade, foi culpa de Genivaldo. Novamente vemos a estratégia de culpar a vítima pela sua morte. Isso é muito típico. Mas esses senhores deveriam estar presos, até mesmo porque eles soltos podem ameaçar testemunhas. Há requisitos presentes para decretação da prisão preventiva”, observa Adilson Paes. 

No sábado, a corporação mudou o discurso que vinha adotando sobre o caso e disse em nova declaração não compactuar com a ação dos policiais. A versão anterior, no entanto, continua sendo reproduzida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que nesta segunda (30) afirmou que a PRF teria “abatido um marginal” ao se referir a Genivaldo. A declaração foi dada em entrevista à imprensa no Recife, no momento em que Bolsonaro criticava a cobertura da imprensa sobre o caso e defendia que não se pode generalizar a conduta dos agentes.

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Tratamento isonômico?

Bolsonaro voltou também a comparar a ação policial em Sergipe com um episódio ocorrido em 18 de maio, em Fortaleza, que levou à morte dois policiais rodoviários federais. O crime aconteceu em um trecho da rodovia BR-116 com a Avenida Oliveira Paiva, no bairro Cidade dos Funcionários. “Eu lamento o ocorrido há duas semanas aproximadamente com dois policiais rodoviários federais que, ao tentar tirar um elemento da pista, ele conseguiu sacar a arma de um deles e executou dois. A GloboNews chamou esse bandido de suspeito. E o outro policial, de outra esfera, ao abater esse marginal, foram em uma linha completamente diferente”, disse o presidente. 

Ele emendou que sua classificação de “marginal” para Genivaldo seria um “tratamento isonômico”. “Vai ser seguido a lei, a gente lamenta o ocorrido nos dois fatos”. Para a Ordem dos Advogados Brasil (OAB), os agentes deveriam cumprir prisão cautelar.  Autor da tese de doutorado que busca entender pelo viés da psicologia as determinantes de natureza institucional, subjetividade e social que podem contribuir para que o policial tenha ou adote uma atitude de extermínio de pessoas, o tenente-coronel aposentado diz que a ação contra Genivaldo só comprova que o policial passa por um processo de “deformação” em sua formação. 

Além disso, ele comenta que o comando da PRF também deveria ser investigado por prevaricação e abuso de autoridade pela nota inicial que buscava legitimar a morte do homem negro. “O jovem policial é desconstruído no seu eu civil para a construção do seu militar, do guerreiro, do combatente, há ritos de passagem. O processo de formação é clivado pela virilidade, brutalidade e pela assimetria nas relações de poder. Os códigos de valores são outros e a sub-cultura que existe propicia a transmissão de outros valores. São negativos, mas são outros valores que se traduzem em atos de brutalidade como esse”, explica Adilson Paes. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção