Tragédia anunciada

Chuva em Pernambuco: Bolsonaro corta 45% de verba de combate a desastres, mas ‘lamenta’ catástrofe

Ao menos 91 pessoas morreram vítimas das fortes chuvas e deslizamentos que ocorrem em todo o estado há uma semana

Twitter João Campos/Reprodução
Twitter João Campos/Reprodução
Chuvas são intensas no estado desde início da última semana. Primeira morte foi confirmada na quarta

São Paulo – Pelo menos 91 pessoas morreram na Grande Recife depois das fortes chuvas e deslizamentos que atingem Pernambuco há uma semana. Segundo balanço divulgado na manhã desta segunda-feira (30), pela secretaria estadual de Defesa Social, há registros de 3.957 desabrigados, principalmente nos municípios da região metropolitana e na Zona da Mata. Além disso, 26 pessoas continuam desaparecidas.

As chuvas são intensas no estado desde o início da última semana e a primeira morte foi confirmada ainda na quarta (25). Mas o final de semana teve aumento das ocorrências, com 79 mortes confirmadas entre sexta e domingo. Por isso o governador Paulo Câmara (PSB) declarou situação de emergência. O estado de calamidade também foi decretado em nove municípios: Olinda, Jaboatão dos Guararapes, São José da Coroa Grande, Moreno, Nazaré da Mara, Macaparana, Cabo de Santo Agostinho, São Vicente Ferrer e Recife que anunciou hoje o cancelamento das festividades juninas. 

Há 12 pontos de deslizamentos nos quais equipes de bombeiros, Defesa Civil, Exército e órgão municipais realizam buscas. Entre eles, Zumbi do Pacheco e Curado IV, em Jaboatão dos Guarapes; Areeiro, em Camaragibe; Monte Verde/Ibura, em Recife; e Paratibe, em Paulista.  

Bolsonaro e o corte de recursos

Durante a manhã, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sobrevoou algumas das áreas mais atingidas pelas chuvas na Grande Recife. Em entrevista, Bolsonaro “lamentou” a tragédia e lembrou de casos recentes, ocorridos neste ano. “Tivemos problemas semelhantes em Petrópolis, no sul da Bahia, mais ao norte de Minais e no ano passado no Acre também. Infelizmente essas catástrofes acontecem, um país continental tem seus problemas”, declarou o presidente. 

Os deslizamentos de terras e barreiras, em consequências das fortes chuvas, que prejudicam principalmente a população mais pobre, forçada a morar em encostas de morro e áreas de risco em todo o Brasil, ocorrem, no entanto, em um momento em que o governo Bolsonaro vem diminuindo ano a ano a verba federal que poderia ser usada na prevenção de desastres. Apenas neste ano, marcado por pelo menos cinco tragédias semelhantes, incluindo a da região metropolitana de São Paulo, os recursos atingiram a menor cifra. 

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É o que mostra reportagem do site Congresso em Foco, de fevereiro. O Orçamento de 2022 prevê R$ 447,9 milhões para que o Ministério do Desenvolvimento Regional invista em Gestão de Riscos e Respostas a Desastres. O montante é 35,38% menor do que no ano anterior – também marcado por catástrofes –, quando o governo reservou R$ 693,2 milhões. A redução fica ainda maior e chega a 45,6% quando se corrigem os valores pela inflação. Os valores, contudo, vêm diminuindo ano a ano. Em 2020, por exemplo, o total autorizado para apoio ao planejamento e execução de obras de contenção de encostas em áreas urbanas foi de R$ 76 milhões. Já em 2021, a verba caiu para R$ 32,2 milhões.

‘Terceirizar a culpa’

Acompanhando por ministros, Bolsonaro priorizou fazer campanha eleitoral em vez de prestar solidariedade. Por exemplo, ao criticar o governador Paulo Câmara. “Em todos os momentos que os governadores nos procuraram ou prefeitos, nós atendemos. Eu acho que faltou iniciativa da parte dele também”, disparou o presidente. A gestão federal disse que pretende disponibilizar R$ 1 bilhão para socorrer Recife e que o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) reconhecerá ainda hoje a situação de calamidade em Pernambuco, em edição extra do Diário Oficial da União. “Não é que sai na frente (o governo federal), está sempre alerta para atender a população em qualquer situação independente de pedidos de autoridades locais”, afirmou Bolsonaro. O Nordeste é a região em que o presidente tem a maior taxa de rejeição a sua reeleição.

A visita de Bolsonaro, no entanto, causou desconforto no deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde. Para o parlamentar, o presidente “segue a tática de terceirizar a culpa”. De acordo com ele, as mortes não são por conta da chuva, mas também do corte de 45% nos recursos de combate a desastres. “O estrago que (Bolsonaro) causou”, observou em suas redes sociais. 

E a prefeitura de Recife

O governador de Pernambuco, por sua vez, disse à Folha de S.Paulo que não recebeu nenhuma ligação de Bolsonaro para discutir a situação de emergência da capital e da região metropolitana. Ainda segundo o estado, Câmara não foi convidado para acompanhar a comitiva de ministros nesta segunda. A tentativa de politização da tragédia, por parte de Bolsonaro leva em conta o partido do governador, o PSB, que faz oposição ao seu governo e indicou Geraldo Alckmin para vice de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência.

Críticas de inação também recaem sobre a prefeitura de Recife, sob o comando de João Campos (PSB). Segundo reportagem do UOL, o município foi alertado do “risco alto” de chuvas intensas e deslizamentos na região metropolitana do Recife ainda na quarta-feira (25). Mas a prefeitura só acionou o plano de contingência dois dias depois. 

O governo municipal alegou ter usado como referência os alertas da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), que emitiu outro informe da previsão de chuva intensa para o final de semana. O primeiro, que antecipava os riscos, havia sido emitido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. 

E a previsão é que as chuvas continuem atingindo a região nesta segunda com intensidades de “moderada” a “forte”. Além disso, a Apac alerta que a Grande Recife e as matas Sul e Norte seguem em estado de observação. O temporal também é previsto na Paraíba, Alagoas, Sergipe, especialmente nas regiões litorâneas. Em paralelo, organizações sociais estão realizando campanhas de arrecadação de donativos para ajudar desabrigados e outras vítimas das chuvas em Pernambuco. 

Confira como ajudar

Redação: Clara Assunção