#JustiçaPorMoise

Movimentos denunciam racismo e xenofobia em morte de congolês por espancamento

Crime brutal contra o congolês Moïse Kabamgabe, morto após cobrar pagamento atrasado, provoca revolta e indignação. Familiares e figuras políticas exigem justiça. Ato público está previsto para sábado, no Rio

Reprodução
Reprodução
Uma nova manifestação por justiça para Moïse está sendo convocada pelas redes sociais para este sábado (5), às 10h, no Posto 8 da praia da Barra

São Paulo – O assassinato do jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, espancado até a morte após cobrar pagamento atrasado pelo trabalho prestado a um quisoque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, na semana passada, tem provocado uma onda de indignação e pedidos de justiça nas redes sociais. Para movimentos sociais, parlamentares e personalidades públicas, Moïse é “mais uma vítima do racismo e da xenofobia no Brasil”. Um protesto está sendo organizado para sábado (5).

De acordo com familiares e amigos, o jovem foi covardemente assassinado por cinco homens depois de cobrar salários atrasados referente a dois dias de trabalho, no valor total de R$ 200, no quiosque Tropicália, no Posto 8 da praia da Barra, onde trabalhava como garçom.

As agressões foram gravadas pelas câmeras de segurança do estabelecimento. E, segundo um primo da vítima, o autônomo Yannick Iluanga Kamanda, de 33 anos, que conta ter visto as imagens, elas mostram Moïse reclamando com o gerente do quiosque, que pega um pedaço de pau para ameaçar o jovem. O congolês chega a se defender com uma cadeira.

Na sequência, descreve Kamanda, o homem vai embora, mas volta em seguida com outras pessoas que aplicam um golpe no pescoço de Möise, e o imobilizam. A partir daí o jovem começou a sofrer uma série de agressões. “Bateram nele com madeira, veio outro com uma corda, amarrou as mãos e as pernas para trás, passou a corda pelo pescoço. Ficou amarrado no ‘mata-leão’, apanhando. Tomando soco e taco de beisebol nas costelas. Até ele desmaiar”, relatou Kamanda ao portal G1.

O jovem congolês foi encontrado por policiais ainda amarrado, deitado no chão já sem vida, em uma escada do quiosque. 

As investigações

Ainda segundo os relatos, o estabelecimento continuou funcionando normalmente. “Eles foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo”, afirmou o primo. A perícia indicou que Moïse tinha várias “áreas hemorrágicas de contusão” e vestígios de broncoaspiração de sangue.

No atestado de óbito foi registrada como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar provocada por ação contundente. 

A família, contudo, só descobriu a morte na manhã do dia seguinte, terça (25), quase 12 horas após o crime. A Polícia Civil carioca afirma que as investigações já estão em andamento na Delegacia de Homicídios da capital fluminense

Assista:

O órgão afirmou também já ter as imagens da câmera de segurança que mostram pelo menos cinco pessoas participando das agressões. A gravação, segundo a DH, foi cedida pelo proprietário do quiosque que deveria prestar depoimento ainda nesta terça (1º).

Mas, até o fechamento desta matéria, nenhum dos agressores tinha sido formalmente identificado. Ao todo, a Polícia Civil confirmou ter ouvido oito testemunhas, entre parentes e frequentadores do quiosque.

‘Fugi do Congo para que não nos matassem

O corpo de Moïse foi sepultado neste domingo (30), no Cemitério do Irajá. Familiares e amigos que acompanhavam a cerimônia protestaram por justiça ao jovem. O congolês chegou ao Brasil com 11 anos, em 2011, com a mãe e os irmãos. Todos refugiados dos conflitos armados na República Democrática do Congo. Em nota de repúdio ao crime, a comunidade de congoleses do Rio de Janeiro observou que Möise havia crescido em um lar repleto de amor. 

Ao jornal O Globo, a mãe do trabalhador, Ivana Lay, contou ter fugido do Congo para que a família não fosse morta. Durante a guerra em seu país, ela já havia perdido vários parentes, inclusive a mãe, além do próprio pai de Möise. Nesses anos todos no Brasil, ainda segundo Ivana, ela disse que o filho “virou brasileiro”. “A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais”, lamentou a mãe. 

“Eles quebraram as costas do meu filho, quebraram o pescoço. Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país. Mataram o meu filho a socos, pontapés. Mataram ele como um bicho. (…) Ele era trabalhador e muito honesto. Ganhava pouco, mas era dele. No final, chegava com parte do dinheiro e me dava para ajudar a pagar o aluguel. E reclamava, dizendo que ganhava menos que os colegas”, observou Ivana. 

O quiosque

Ainda ontem, o vereador Tarcísio Motta (Psol-RJ) enviou ofícios à prefeitura e à Orla do Rio exigindo a cassação do alvará de funcionamento do quiosque na Barra. De acordo com o parlamentar, o estabelecimento é uma concessão pública e os relatos de que a gerência está envolvida no crime “são gravíssimos”. “Isso demanda apuração urgente”, cobrou em suas redes.

Segundo informações da Folha de S. Paulo, a Secretaria Municipal de Fazenda suspendeu o alvará de funcionamento do quiosque. Já a Orla Rio disse já ter suspendido a operação do estabelecimento até a conclusão das investigações.

Pelo Twitter, internautas se indignaram com a escolta da polícia no quiosque comparando a falta de celeridade dos agentes em esclarecer o crime. “Além da violência e da covardia, a falta de informação no caso do Möise é impressionante. Tudo choca nessa história, absolutamente tudo”, contestou o advogado Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). 

#JustiçaPorMoise

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) também destacou que o caso está sendo conduzido de forma “desumana”. “Um jovem trabalhador que só queria receber o que era seu direito. As autoridades já deveriam ter os responsáveis PRESOS! Cadê as imagens de segurança? Por que a demora e descaso? “, tuitou a parlamentar. 

“Se Möise fosse um jovem branco e rico, filho de empresários da zona sul, o caso já estaria solucionado e os culpados estariam pagando por essa barbárie. Entretanto, o racismo institucional não permite que haja #justicaparaMoise de forma rápida e contundente”, acrescentou.

Movimentos sociais, como o dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Instituto Marielle Franco, também ressaltam que o jovem congolês é mais uma vítima da herança racista e da xenofobia do Brasil. “Essa herança está presente em todos os detalhes do nosso dia a dia. Estruturada na violência que se manifesta desde a violência policial no cotidiano das favelas brasileiras até o rompimento criminoso de barragens que vitimam atingidos em sua maioria negra”, escreveu o MAB. 

Nova manifestação por justiça para Moïse está sendo convocada pelas redes sociais para o próximo sábado, às 10h, no Posto 8 da praia da Barra, na avenida Lúcio Costa, altura do número 6.900. 

Confira mais as repercussões