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Ocupação policial no Rio busca dar ‘visibilidade’ ao governador Cláudio Castro em ano de eleição

Críticos do programa “Cidade Integrada” denunciam repetição de fórmula “já fracassada” de ocupação nas comunidades. Rede de Observatórios de Segurança aponta também relatos de invasão de domicílios e abordagens violentas

Bruno Itan/Voz das Comunidades
Bruno Itan/Voz das Comunidades
"Quando vemos que essas operações são feitas sem a preocupação com a população que vai sofrer as consequências, a gente vê que nada mudou", lamenta especialista

São Paulo – Para a Rede de Observatórios de Segurança, o novo programa “Cidade Integrada”, anunciado nesta quarta-feira (19) pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), repete a “fórmula fracassada de ocupação policial” nas favelas do Rio de Janeiro “e não tem um programa social desenhado”. De acordo com a organização, não há articulação setorial no plano do governo do estado e muito menos diálogo com as comunidades.

O novo programa de “ocupação social” foi iniciado ontem com a promessa de levar políticas sociais, urbanização e segurança pública. Mais uma vez a comunidade do Jacarezinho acordou em clima de tensão. Com céu ainda por clarear, policiais civis e militares deram início à operação na área dominada pelo Comando Vermelho. Pouco depois, a polícia ocupou a Muzema, comunidade da zona oeste dominada por milicianos. Segundo o Estado, foram mobilizados de 1.200 a 1.300 policiais militares e civis, além de carros blindados e helicóptero. 

Apesar de ser anunciado como uma “novidade”, o discurso oficial é o mesmo de 14 anos atrás, quando teve início o programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no governo de Sérgio Cabral (MDB). “Nesse momento a ideia é que nós possamos estabilizar o terreno para que outros projetos possam vir acompanhando a segurança. O governador Cláudio Castro vai anunciar detalhadamente esse grande projeto do governo do estado no próximo sábado e a ideia é que nós possamos permanecer, sem data para sair, aqui nessa região”, disse o porta-voz da PM do Rio, o tenente coronel Ivan Blaz. 

Propaganda eleitoral

Para quem acompanha a segurança pública do Rio o sentimento, contudo, é de frustração. Como destaca o doutor em Ciência Política Pablo Nunes, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança. Em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, o especialista observa que o programa não integra, mas exclui a população civil. O que é um “grave erro e nos choca que é um erro repetido”, critica. De acordo com Nunes, a operação policial mais parece “buscar dar alguma visibilidade para o governador do Rio em um ano de eleição”, até pela escolha dos territórios. 

Em 6 de maio de 2021, o Jacarezinho, por exemplo, foi palco da operação mais letal da polícia carioca com 28 mortos. E há dois anos, na Muzema, houve o desabamento de prédios irregulares que matou 24 pessoas. “São comunidades e favelas que estão invisibilizadas”, destaca ele. “A segurança pública no Rio de Janeiro sempre é o centro do debate eleitoral. Seja para prefeito e governadores, sempre temos essa que é uma das questões mais agudas da sociedade carioca já há muitas décadas”. 

“Tivemos diversas políticas de segurança que foram gestadas em ano eleitoral para resolver esse problema e praticamente de dois em dois anos, a gente volta a discutir essa ideia para a segurança pública. É bom lembrar que o Cláudio Castro é um governador fraco. Ele foi eleito como vice, ninguém o conhecia do ponto de vista da população geral que votou em Wilson Witzel, afastado por um processo de impeachment e judicial em relação a alguns escândalos de corrupção. Não é surpreendente que o agora governador faça algo na área de segurança pública que é sempre visada e está nas preocupações da população carioca e fluminense”, observa Nunes. 

Sem diálogo

A Rede de Observatórios de Segurança também teme pelos impactos negativos do plano estadual sobre a população das favelas. Ainda ontem, a rotina de muitos moradores foi alterada, impedindo o deslocamento ao trabalho e às atividades de estudos ou afazeres domésticos. Além disso, a população parece cética sobre o “Cidade Integrada” e há relatos de invasão de domicílios e abordagens violentas, de acordo com o coordenador. A organização também se preocupa com a falta de articulação multissetorial. 

O prefeito Eduardo Paes (PSD) afirmou ontem que não houve planejamento prévio com o município. E o programa não parece levar em conta o acúmulo científico sobre as políticas de segurança pública. “Quando vemos que essas operações são feitas sem a preocupação com a população que vai sofrer as consequências, a gente vê que nada mudou”, lamenta Pablo Nunes. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima