Caso Evaldo Rosa

Militares que fuzilaram músico e catador são condenados. Para Bolsonaro, foi incidente

Tribunal Militar também decidiu pela expulsão da corporação de tenente e outros sete militares. Avaliação é que a condenação inédita dos crimes, minimizados à época por autoridades, fortalecem a democracia brasileira

Reprodução/BdF
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A Justiça Militar também determinou a expulsão dos militares da corporação. Sentença será analisada pelo Superior Tribunal Militar

São Paulo – Dois anos e meio depois, o Tribunal de Justiça Militar condenou, na madrugada desta quinta-feira (14), oito militares do Exército pelos homicídios do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de recicláveis Luciano Macedo. Evaldo foi morto pelos soldados em 7 de abril de 2019, quando seu carro foi alvejado por pelo menos 62 tiros em Guadalupe, na zona oeste do Rio de Janeiro. Luciano, que tentou socorrer o músico, também foi atingido. 

Ao todo, os militares dispararam 257 tiros de fuzil e pistola. Após mais de 15 horas de julgamento, por três votos contra dois, o júri reconheceu culpabilidade comprovada pelos homicídios qualificados e determinou 28 anos de prisão para sete acusados. O tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo recebeu uma pena ainda maior, de 31 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Segundo o Conselho Especial de Justiça, formado por uma juíza federal e quatro juízes militares sorteados, Nunes era o oficial responsável pelo grupo e foi o primeiro a atirar sem se certificar de que a tropa sofria ameaça ou agressão. O tenente também foi responsável pelo maior número de disparos. 

Na pena, os oito militares condenados irão responder pela tentativa de homicídio do sogro de Evaldo, Sérgio de Araújo, que estava no carro junto também da esposa do músico, Luciana Nogueira, uma amiga e o filho do casal, de 7 anos. A Justiça Militar também determinou a expulsão do grupo da corporação. São eles: Fabio Henrique Souza Braz da Silva, Gabriel Christian Honorato, Gabriel da Silva de Barros Lins, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo de Oliveira de Souza, Marlon Conceição da Silva e Matheus Santanna Claudino. 

O julgamento 

Outros quatro militares, que também participaram da ação, foram absolvidos pelo tribunal por falta de provas do uso de armas naquela tarde. Os 12 militares, ao todo envolvidos, foram absolvidos da acusação de omissão de socorro. 

O julgamento, que chegou a ser adiado quatro vezes, terminou, contudo, com a condenação referendada por três votos a dois. Um dos juízes militares votou pela absolvição dos soldados e uma outra integrante do conselho decidiu pela condenação culposa, quando não há intenção de matar. Os dois votos acabaram vencidos.

A defesa dos 12 militares condenados tentava atribuir a culpa da morte de Evaldo ao catador de recicláveis. Luciano estava próximo ao local com seu carrinho, e o deixou junto com a esposa grávida, Dayana Fernandes, para socorrer a família do músico. O Ministério Público Militar rebateu as acusações, argumentando que nenhum estojo deflagrado foi localizado e que os militares não agiram dentro das normas e dos limites da legalidade. De acordo com informações do UOL, após a publicação da sentença, nesta quinta, abre-se um prazo de cinco dias para a apelação da defesa dos militares condenados.

Os militares ainda poderão recorrer da pena ao Superior Tribunal Militar (STM). E, enquanto o crime não é julgado pela Corte, os acusados continuam em liberdade aguardando a decisão final. 

Efeitos para a democracia

À reportagem do site, contudo, as viúvas de Evaldo e Luciano compartilharam seu sentimento de “alívio” e “dever cumprido” com a sentença dos militares. “Como é satisfatório poder chegar em casa e dar essa notícia para o meu filho. Sou muito grata a Deus, foi Ele que me sustentou desde aquele momento até o dia de hoje”, destacou Luciana Nogueira. 

A jornalista Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública, também avaliou a decisão inédita de punir militares como um “caso fundamental para recalibrar as relações civis-militares”.

Natalia é autora do livro publicado neste ano Dano Colateral: a intervenção dos militares na segurança pública que mostra como nesse, e em outros casos de violência, integrantes das Forças Armadas têm usado de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) para acumular prestígio e avançar sobre a política institucional, com apoio inclusive da Justiça Militar. Na obra, a jornalista lembra que o inquérito aberto para apurar o envolvimento dos militares nas mortes dos dois civis apontou apenas para o descumprimento de regras de engajamento, praticamente isentando soldados e oficiais.

“Há mais de trinta mortos em operações GLO e, até hoje, não havia nenhuma punição. Julgamento HISTÓRICO!”, registrou em seu Twitter. O diretor da Open Society Foundations para América Latina e Caribe, Pedro Abramovay, também comemorou os efeitos da decisão sobre os militares condenados. “O Exército brasileiro sempre teve medo do dia de hoje. Do dia em que seus membros fuzilassem alguém por ser preto e o público descobrisse ser um pai de família. A condenação de hoje abre a possibilidade de termos forças armadas submetidas à democracia no Brasil”, escreveu na rede social. 

‘Incidente’

Na época do crime, conforme reportou a RBA, as autoridades colecionaram diversas declarações infelizes sobre o caso. O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, tratou o caso como um “incidente”. A declaração foi seguida pelo presidente Jair Bolsonaro, que, antes dos fatos apurados, antecipou a defesa dos militares afirmando que o “Exército não matou ninguém”. O então governador Wilson Witzel (PSC) também disse que “não poderia fazer juízo de valor”. 

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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