Na pandemia, tarefas domésticas sobrecarregam mais as mulheres paulistanas
Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, sete em cada 10 paulistanas se declararam as principais responsáveis pela organização, planejamento e tomada de decisões em casa
Publicado 08/03/2021 - 14h34
São Paulo – Do cuidado diário com os filhos à limpeza da casa, as tarefas domésticas ainda são executadas quase majoritariamente por mulheres na cidade de São Paulo. É o que mostra a quarta edição da série Viver em São Paulo: Mulher, pesquisa da Rede Nossa São Paulo em parceria com o Inteligência de Pesquisa e Consultoria (Ipec) e o Ibope Inteligência. Ao investigar 13 atividades relacionadas ao domicílio e à família, o estudo revela o reconhecimento de que em 11 são as mulheres que fazem mais.
Divulgado nesta segunda-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o relatório aponta para uma “evidente desigualdade de gênero” que historicamente atribui à população feminina um trabalho invisível, pouco valorizado e não remunerado. E que na pandemia de covid-19 se tornou um desafio ainda maior.
A pesquisa realizou um total de 800 entrevistas – 425 com mulheres e 375 com homens. De forma geral, quase a metade dos paulistanos (47%) indicou que os serviços domésticos são divididos igualmente. Entre os homens, por exemplo, essa percepção fica ainda maior. Ao menos 55% deles afirmam que os afazeres são de responsabilidade dos dois. Mas a observação não é a mesma para as mulheres: somente 40% delas dizem que há igualdade de fato.
Sobrecarregadas
A diferença cresce quando são descritas 13 tarefas do cotidiano doméstico. Questionados sobre o cuidado diário com os filhos, quase a maioria das paulistanas (88%) disse executar a tarefa, ante 11% dos homens. A preparação das refeições e a limpeza da casa também são atribuídos mais às mulheres (85%) do que a eles (14%). Assim como os cuidados médicos dos filhos (84%) e o acompanhamento das atividades escolares (78%).
Elas também são as principais responsáveis pelos cuidados médicos com idosos ou outros adultos (75%), lavar a louça (69%), levar e buscar os filhos na escola (69%), fazer as compras (61%), cuidar dos animais domésticos (59%) e organizar a casa (53%). As duas únicas exceções são “tirar o lixo” e fazer a “manutenção da casa”. Os homens são os que mais mencionam a realização das duas atividades, com 58% e 78%, respectivamente.
A pesquisa, contudo, também revela que além de executarem mais atividades, as mulheres são as encarregadas pelo planejamento, organização e tomada de decisões. Sete em cada 10 paulistanas se declararam as principais responsáveis por fazer com que as coisas aconteçam no dia a dia da casa. O que, de acordo com Patrícia Pavanelli do Ipec, evidencia a carga mental das mulheres. “A gente percebe uma diferença grande de atribuição”, destaca.
Cuidado parental é feminino
Na comparação com a pesquisa do ano passado, a Rede Nossa São Paulo também mostra um recuo no percentual de paulistanas que dividem igualmente o cuidado parental. O índice caiu de 37% para 24%, uma diferença de 13%. Por outro lado, houve um aumento no percentual de mulheres que ficam mais com os filhos do que outro cuidador. No ano passado, a taxa era de 31%, um queda na comparação com 2018, que registrou%.
Mas, diante da crise sanitária que fez ruir as redes de apoio públicas, solidárias ou contratadas, esse percentual voltou a subir para 40%, indicando que quase 1,4 milhão de mães acabam ficando mais com o filho do que qualquer outra pessoa.
A edição deste ano também aplicou perguntas apenas às mulheres, com mais de 16 anos, sobre a violência de gênero. O estudo identificou que 61% das paulistanas já sofreram algum tipo de assédio, o equivalente a mais de 3,4 milhões de mulheres. Pelo terceiro ano consecutivo, cresceu também o percentual de vítimas de assédio dentro do transporte coletivo (47%). A pesquisa ainda revela um aumento de 9% no número de mulheres que foram assediadas no ambiente de trabalho. Cerca de um terço das paulistanas (31%) sofreram discriminação por conta do gênero.
Assédio e violência
Os casos de assédio foram mais frequentes na zona norte, entre a parcela mais jovem, de 16 a 34 anos (48%), e aquelas que possuem outras religiões que não a católica ou evangélica (46%). Entre as mulheres com o ensino fundamental, a percepção é ainda que a violência cresceu no último ano, passando de 82% para 88%. O estudo também confirma que as mulheres se sentem mais vulneráveis nos espaços públicos da cidade.
Enquanto pouco mais da metade dos homens se preocupam sobretudo com roubo (54%) e furto (50%), e uma minoria com estupro (14%) e assédio sexual (15%), 73% das mulheres temem serem assaltadas e vítimas de violência sexual (60%). Coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães avalia que a pesquisa sintetiza como o ambiente da casa limitou mais as mulheres e o modo como a parcela feminina vivencia de maneira desigual a cidade. Segundo ela, esse medo descrito na pesquisa “inibe o acesso delas ao direito à cidade”.
O impacto da pandemia
Carolina ainda destaca que a epidemia do novo coronavírus escancarou todas essas desigualdades, que se aprofundam quando essas mulheres são negras e periféricas. “Raça e território são marcantes na pandemia”. Ainda nesse momento de restrições e isolamento social, os aplicativos de celular se consolidaram como o meio com o qual as mulheres mais se sentiram à vontade para denunciar a violência de gênero. O uso de dispositivos como o Clique 180 e o Mete a Colher saltou de 32% para 40%. Em paralelo, as mulheres usaram menos as centrais de atendimento. Como, por exemplo, o 180 (Central de Atendimento à Mulher) e o Disque Denúncia 181, que registraram queda de 25% para 19%.
Neste Dia Internacional da Mulher, a coordenadora da Rede Nossa São Paulo reflete a “importância do diálogo com diferentes gerações” para mudar estruturalmente esse contexto machista e desigual. “Datas comemorativas são um marco, mas essa luta é diária porque a gente sabe que o problema é estruturante e histórico. Essas pesquisas são um alento, mas também são frustrantes. Porque a gente vê como é difícil mudar os dados e para que isso seja transversal e incorporado por secretarias e pela população”, avalia.
Realizada entre 5 de dezembro e 4 de janeiro, a pesquisa ouviu pessoas de todas as regiões e de diferentes extratos sociais com entrevistas on-line, nas classes A, B e C e domiciliares entre as classes C, D e E. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%.